Textos
Meditação Matinal - Pratas Smaranam
por Adi Sankacharya
comentarios Swami Visharadananda
com tradução de Pedro Kupfer
“Lembro, de manhã”, mantra para a hora de acordar
om prātas-smarāmi hridi samsphurad ātma tattvam
sat-chit-sukham paramahamsa-gatim turiyam |
yat svapana-jāgara-sushuptam avaiti nityam
tad brahma nishkalam aham na cha bhuta-sanghah || 1 ||
Om. Nos primeiros momentos do meu dia, medito na Consciência que brilha eternamente na minha inteligência. Medito Naquele que é Existência, Consciência, Plenitude, que é buscado por todos. Medito sobre a Consciência que brilha constantemente na vigília, no sono e no sono profundo. Ela é o ilimitado Brahman,
que sou eu, pois eu não sou este conjunto de elementos materiais.
prātar-bhajāmi manasā vachasām agamyam
vācho vibhānti nikhilā yad-anugrahena |
yam-neti-neti vachanair-nigamā avochuh
tam deva-devam ajam achyutam āhuragryam || 2 ||
De manhã, medito no Eterno, naquele que não cabe em palavras, naquele que manifesta todas as palavras através de suas bênçãos, naquele que os Vedas descrevem como neti, neti! (“nem isto, nem aquilo“). Naquele que é chamado o Primevo, o Senhor dos devas,
o Não-nascido, o Imutável.
prātar-namāmi tamasah param arka-varnam
purnam sanātana-padam purushottamākhyam |
yasminnidam jagad ashesham ashesha-murttau
rajjvām bhujangama iva pratibhāsitam vai || 3 ||
Cedo, medito no Ilimitado, naquele que não é escuridão e que brilha como o Sol, aquele que é a base imutável, e que é conhecido como o Supremo, dentro de quem o Universo se revela em formas limitadas, assim como a serpente aparenta ser a corda.
Comentário
Introdução.
Este é um stotram que não é um stotram, pois não louva ninguém. É mais um nidhidhyásana um texto que expõe o ensinamento como tema para a meditação, usando a forma de stotram. Trata sobre a natureza de ātma, sobre a identidade entre jiva e Brahman, o indivíduo e o Todo.
Neste breve stotram, de apenas três estrofes, Adi Shankara sintetiza os grandes temas do Vedānta. Começa nos lembrando que, enquanto Ser, somos a causa da existência do Universo. Esse é o conhecimento que surge destas palavras. Para compreender e aplicar estes versos, precisamos primeiramente compreender os princípios do ensinamento que nele subjazem. Este stotram mostra a identidade entre ātma e Brahman, o indivíduo e o Ser.
Posso ler e repetir mecanicamente que ātma é idêntico a Brahman, sem que isso faça uma diferença significativa, como fazem alguns “teóricos”, mas cabe a pergunta: como estou vivendo a minha vida? Se as escrituras me ensinam que eu sou ilimitado e eu me sinto limitado, então devo tomar as escrituras em sentido figurado?
O autoconhecimento como solução para os relacionamentos harmoniosos.
Onde está o erro? Nos textos ou na imagem que tenho de mim mesmo? Devo pensar que as escrituras são palavras belas mas vazias? É necessário, para dispersar as trevas da equivocação, olhar sincera e objetivamente para mim mesmo, considerando que o shruti não está errado, e aceitando que devo fazer algumas correções de rumo, na maneira em que me relaciono com a minha mente, ego e emoções, bem como com o mundo.
Para resolver as contradições, preciso diagnosticar adequadamente o meu problema. Assim como objetos distantes parecem menores do que são, da mesma maneira, o ilimitado parece limitado por causa dos upadhis, as superimposições do aparente sobre o real.
Os sentidos captam a realidade de maneira limitada. A mente, igualmente, não tem elementos para perceber o Ser, já que este não é objetificável. Noutras palavras, o Ser não pode se tornar um objeto de observação, pois ele é o sujeito que vê.
Podemos aceitar esse ensinamento provisionalmente como sendo verdadeiro, mas precisamos compreendé-lo profundamente, para integrá-lo na vida, através do vichāra, o questionamento, que deve ser feito com a ajuda de um professor e das escrituras.
Os condicionamentos e seu antídoto.
Para poder refutar as visões equivocadamente limitadas sobre a natureza de ātma, preciso me preparar. A conclusão dessa preparação é nidhidhyasanam, a contemplação sobre aquilo que já se conhece sobre si próprio. É preciso abrir a mente, de maneira que as velhas crenças dêem lugar a uma nova compreensão sobre mim mesmo. Esse é um processo que acontece unicamente no antahkarana, que deve ser utilizado adequadamente.
Anadi durvāsana: não existe início para as vāsanās, os desejos subconscientes que dão corpo aos pensamentos. Por exemplo, no grande épico Mahābarata, o príncipe Duryodhana sabe que o que está fazendo é errado, mas não consegue parar. Ele diz: “Tem um poder dentro de mim que me impede de agir de modo correto e me impulsiona à ação errada”.
Esta força que não está só em Duryodhana, mas em cada um de nós, é extremadamente poderosa, e está enraizada no samskāra, nos impulsos inconscientes que regem os desejos e as posteriores ações.
Começa como uma experência, torna-se um hábito e estabiliza-se como um impulso quando “desce” para o inconsciente, ofuscando a clareza da mente. Uma vez que perdemos o discernimento, o erro vai se aprofundando cada vez mais. Para retomar a objetividade, estes versos (e outros similares a ele) são de grande valia. É por isso que eles devem ser repetidos. Precisamos limpar e liberar a mente dos desejos para prepará-la.
Existe unanimidade entre o Nyāya e o Vedānta: para que buscamos o conhecimento? Para nos livrar do sofrimento, que se manifesta de diferentes maneiras. O sofrimento nasce junto conosco e permeia nossa vida, bem além do que gostaríamos. Todo o mundo sofre. O Vedānta é uma ferramenta para sair do sofrimento. Duhkha nivritti, a desconexão em relação ao sofrimento é a saída, e deveria ser o objetivo das nossas vidas.
Quando alguém nasce, o sofrimento parece perseguir a pessoa, por mais esforço que ela faça no sentido de se afastar dele. A identificação com o corpo é o ponto de partida do sofrimento nesta existência como seres encarnados, embora a origem desse sofrimento venha da ignorância, para a qual não há início.
Então me equivoco ao julgar a mim mesmo e me equivoco ao julgar o mundo. O antílope morre por causa da sua fraqueza em relação ao feitiço do som da flauta. O peixe morre pela boca. Todos temos a possibilidade de nos libertar, convivendo com a tendência a continuar escravos dos nossos sentidos e das limitações da nossa mente.
A importância de vairāgya, o desapego.
Precisamos viver no mundo real, não estamos negando isso;pelo contrário precisamos aprender a administrar as ambições da mente e do ego, pois sempre haverá o desejo de acumular mais e mais.
Vairāgya, o desapego, significa olhar objetivamente para os objetos, relacionamentos e vlores. A compreensão dos valores vem através do cultivo de uma vida de disciplina. Vairāgya e ser objetivo e honesto em relação à nossa vida e valores.
Juntamente com pramānam e mananam, o meio de conhecimento e o questionamento para eliminar as eventuais dúvidas, a mente também precisa ser preparada através do vairāgya, cultivando atitudes de desapego. Vairāgya não é fugir dos objetos, mas relacionar corretamente com eles, reconhecendo a mim mesmo como plenitude e deixando de olhar para os objetos como solução para minhas carências.
Vairāgya é ser livre dosofrimento associado a vontade e aversões. A liberdade não vem sozinha. É preciso que haja discernimento e decisão. A primeira coisa que deve ser feita é avaliar se temos mais amor pela liberdade ou pelos objetos que queremos conquistar e manter. Quanto vale a nossa liberdade? Que tipo de esforço estamos dispostos a fazer por ela?
Já compreendemos que a satisfação dos desejos não nos livra deles? Já compreendemos o quanto os desejos nos escravizam e nos fazem sofrer? Se você, interagindo com um objeto, pessoa ou situação, sente satisfação, corre o risco de criar uma relação de dependência. Aí, a auto-suficiência vai para o espaço. É impossível satisfazer todos os desejos.
Dharma , a ação correta.
O dharma , a ação correta, em harmonia com o bem maior, deveria ser a base das nossas ações a cada momento, assim como a água está presente em todas as fases da vida de uma planta. Não devemos apenas compreender o conceito de dharma, mas aprender a aplicá-lo na vida.
Dharma é evitar usar dois pesos e duas medidas: um para nós mesmos e outro para o resto. Não nascemos dhármicos, mas ofuscados pelo samskāra, pelos nossos condicionamentos. Crscemos através do sofrimento e da dor até descobrirmos que uma vida de dharma é uma vida com muito menos sofrimento.
A dor é construtiva, pois conclui no dharma, mas precisa ser bem manejada. Ninguém é responsável pela nossa dor ou pela nossa alegria, pelo nosso sofrimento ou nossa felicidade, exceto nós mesmos.
Partindo do ponto onde estamos agora, somos livres para crescer. Sejamos responsáveis por nós mesmos, para podermos crescer. Se ficarmos nos lamuriando ou culpando os demais, o crescimento não será possível. O ponto de partida é perceber que o ego não é o karta, não é o fazedor. O ego não constrói o corpo, não constrói nada.
Algo é devido aos nossos pais e ancestrais, que nos deram a vida, a educação, os valores e a cultura que temos. Sem essas ferramentas, não teríamos conseguido chegar até aqui. De fato, quando “fazemos”, não estamos fazendo, embora possamos atribuir o mérito das ações às nossas capacidades individuais.
Não podemos mudar o que já passou, nem conseguimos mudar algumas coisas no presente, mas podemos mudar o nosso futuro para melhor, através de uma vida centrada nos valores do dharma. Um yogi é alguém que entendeu isto e vive de acordo com o dharma. É preciso estarmos qualificados, nos tornamos ādhikaritvam, para podermos compreender, para progredir neste caminho.
Comentário sobre a primeira estrofe.
prātas-smarāmi hridi samsphurad ātma tattvam
sact-chit-sukham paramahamsa-gatim turiyam |
yat svapana-jāgara-sushuptam avaiti nityam
tad brahma nishkalam aham na cha bhuta-sanghah || 1 ||
Om. Nos primeiros momentos do meu dia, medito na Consciência que brilha eternamente na minha inteligência. Medito Naquele que é Existência, Consciência, Plenitude, que é buscado por todos. Medito sobre a Consciência que brilha constantemente na vigília, no sono e no sono profundo. Ela é o ilimitado Brahman , que sou eu, pois eu não sou este conjunto de elementos materiais.
Ātma não precisa ser buscado em lugar algum. Ele já é o que nós somos, nossa própria natureza, svarupa. Define-se o Ser através de um termo composto de três palavras: sat-chit-sukham: realidade, consciência e plenitude. Sat-chit-sukham é aquilo que eu sou. Aquilo que eu sou, não está sujeito a mudança, negação ou morte.
Ātma já é conhecido, mas de maneira incompleta ou, em muitos casos, de forma equivocada. Tudo o que preciso é corrigir o erro na minha visão. Nesse sentido, não há revelação, mas explanação correta, no Vedānta. Aquilo que é sujeito nunca se tornará objeto. Aquilo que é objetificável não faz parte do sujeito, nem pode se tornar ele.
Qual o significado real da palavra Eu? Sukha é plenitude, felicidade, o estado em que não há modificação, é o que sempre me acompanha, subjazendo em todos os momentos, estados, pensamentos, atos, etc.
Os vrittis, as propensões e conteúdos do pensamento, não são ātma. Sukha, neste contexto, é ātma. Os vrittis são criados na mente pela influência dos objetos e pessoas. Quando a mente pensa, estando associada com ações, alinhadas com o dharma, há paz.
Sobre o amor.
Amamos naturalmente aqueles que nos trazem ānanda, que evocam em nós a plenitude. Amamos a nós mesmos na medida em que nos enxergamos como pessoas dignas de amor. Isso é auto-estima. Somos livres para nos amar e nos satisfazer, mas não ao preço do amor, a felicidade ou o conforto dos demais. Senão, nossas ações serão adharmikas. Você pode querer se livrar de algum relacionamento, mas nunca irá querer se livrar de si mesmo.
Se eu quiser clareza, conhecimento e liberdade, preciso dar prioridade ao esforço pela correta compreensão, pelo crescimento e pela maturidade emocional. O que importa é o compromisso firme em direção a esse crescimento. Retidão, simplicidade, mente clara, coerência entre pensamentos, palavras e ações, devem ser as nossas prioridades.
Quando nos firmamos nestes valores, nossa vida é um livro aberto. Não temos nada a esconder: qualquer pessoa pode “ler” o que somos, saber como somos, e tudo estará sempre perfeitamente bem.
Numa vida dedicada ao conhecimento, é preciso usar meios adequados, da maneira adequada. Sravanam é o meio paara realizar o conhecimento assim como o machado é o meio adequado para cortar a lenha. Porém, o machado não corta sozinho: é preciso que haja movimento, a ação de um braço para que a lenha seja de fato cortada.
O conhecimento não acontece apenas por você mudar alguma coisa externamente, como trocar de roupa ou cortar o cabelo. A eventual mudança no estilo de vida é uma conseqüência, e não a causa do conhecimento.
As vezes negamos os nossos problemas. Precisamos identificar as causas dos nossos problemas com honestidade, sem projetar a reponsabilidade sobre os demais. Tendemos a reprimir ou negar aquilo que nos produz dificuldades, para encobrir nossas fraquezas. Aceitá-las com honestidade é a condição para o crescimento interior.
Você não precisa resolver todos os seus problemas mas torná-los gerenciáveis. Não adianta tampar o sol com uma peneira. Que tipo de mente preciso ter? É necessário reconhecer que ātma permeia todos os estados de consciência:vigília, sono e sonho (3º verso,1ºsloka), assim como o fio está presente em todas as contas do japamala.
Os estados de consciência, vigília, sono e sonho, são mutuamente excludentes. Ātma, a consciência, está presente em todos e cada um deles. “Que eu possa estar consciente em todos e cada um desses avasthas ”. É isso o que o shloka diz.
Moksha é a negação da ignorância. Se você é consciente de si, tem tudo que há para se ter. Se não tiver consciência, não tem nada. Se conseguir compreender que sou diferente dos desejos do meu ahankara, se conseguir ver que não há nada a se conseguir na realização dos desejos, então finalmente estarei em paz.
Autoconhecimento e desapego.
Para que você quereria várias casas, se pode ocupar somente uma de cada vez? Para que você quereria mais de um carro, se só pode dirigir um de cada vez? Realizar desejos só traz mais preocupações pois você precisa se esforçar para manter aquilo que conquistou.
Eu sou shivam satyam sundaram, Consciência, realidade e beleza. No entanto, me vejo por momentos como alguém infeliz, limitado, medroso. Essas qualificações negativas, ou outras quaisquer que possa vir a “grudar” em mim, não são aquilo que eu sou.
O fim da estrofe, fala sobre o Ser ilimitado, nishkalam e a não-identificação com o corpo físico: “eu não sou a combinação dos cinco elementos que constituem o corpo físico”. A realidade do corpo é que ele é uma bolsa de couro com alguns orifícios pelos quais entram e saem certos elementos como o ar que flui nos pulmões, os líquidos como a transpiração, as lágrimas ou a urina, e as demais excescências.
Assim, eu não sou este corpo. Sou Brahma nishkalam, o Ser, ilimitado. No entanto, esquecido dessa minha natureza, sofro com qualquer coisa, até mesmo quando alguém levanta a sobrancelha.
Você não pode lembrar de algo que não sabe. Se você é capaz de conhecer a auto-efulgência da consciência, é porque você sempre foi ela. Uma luz não precisa de outra para iluminá-la. A luz de sakshi, a consciência testemunha, não precisa de outra luz para se revelar.
Aquilo que nos permite afirmar “Eu sou”, “Eu sei que sou”, é o brilho de ātma. Nossos problemas começam quando fazemos auto-julgamentos como “eu sou professor, eu sou forte ou fraco, eu sou inseguro...”.
Comentário sobre a segunda estrofe.
prātar-bhajāmi manasā vachasām agamyam
vācho vibhānti nikhilā yad-anugrahena |
yam-neti-neti vachanair-nigamā avochuh
tam deva-devam ajam achyutam āhuragryam || 2 ||
De manhã, medito no Eterno, naquele que não cabe em palavras, naquele que manifesta todas as palavras através da sua graça, naquele que os Vedas descrevem como neti, neti! (“nem isto, nem aquilo“). Naquele que é chamado o Primevo, o Senhor dos devas, o Não-nascido, o Imutável.
Raga e dvesha, apego e aversão, são parte da minha ordem psíquica. Ātma permeia todas as emoções, aquelas das quais gosto e as outras, das quais quero me ver livre. O que me livra do sofrimento? Vidya, o conhecimento de si mesmo.
É somente através do autoconhecimento que as palavras fazem sentido, como revela o segundo verso desta estrofe. Quando você olha para um luminoso, vê primeiro a luz das letras que formam uma palavra para depois somente, enxergar a palavra, ou ambas as percepções acontecem simultaneamente?
A luz é intrínseca à forma das letras na placa. De mesma forma, ātma está presente em todas as formas, todos os pensamentos, todas as ações, todos os seres e objetos. As letras e palavras podem mudar, mas o brilho da luz permanece sempre o mesmo.
Quando o sol brilha, os objetos são illuminados. O sol é anugraha, a graça que faz que as coisas sejam iluminadas. Ātma se revela através da negação (neti-neti) daquilo que não é, como indica o terceiro verso. Os olhos iluminam os objetos, mas eles são iluminados pela mente que, por sua vez, é iluminada por ātma, que é auto-efulgente.
Qual é a natureza de jiva, o ser vivente, encarnado? Quando dizemos “eu”, nos referimos geralmente à combinação de corpo denso mais os sentidos, mais os órgãos de ação, mais o ego, mais a inteligência. Porém, esse “eu” inclui, necessariamente, ātma.
Assim como a água, quando misturada com sal, torna-se salgada e quando misturada com açúcar torna-se doce, da mesma forma a alma é colorida pela associação com os tattvas, as diversas formas que a natureza assume na manifestação criativa.
Comentário sobre a terceira estrofe.
prātar-namāmi tamasah param arka-varnam
purnam sanātana-padam purushottamākhyam |
yasminnidam jagad ashesham ashesha-murttau
rajjvām bhujangama iva pratibhāsitam vai || 3 ||
Cedo, medito no Ilimitado, naquele que está mais além da escuridão e que brilha como o Sol, aquele que é a base imutável, e que é conhecido como o Supremo, dentro de quem o Universo se revela em formas limitadas, assim como a serpente aparenta ser a corda.
No sistema solar, todos os planetas dependem do sol. Igualmente no jiva , todos os tattvas, os elementos, dependem de ātman. Ignorância é não ser capaz de perceber ātman através dos obstáculos e associações equivocadas (por exemplo, acharmos que ātman é o ego ou a mente).
Ātma nao está sujeito a mudanças, deterioração ou desaparecimento. É preciso desenvolvermos um tipo adequado de mente para nos prepararmos para o conhecimento. A ação premeditada evitando a falta de reflexão é essencial. Porém, distraidamente, deixamos que a vida escorra entre nossos dedos, dia após dia, ano após ano.
Se alguém próximo de nós morrer, ficamos preocupados ou com medo por alguns momentos e depois, retornamos à mesma inconsciência confortável. É preciso manter a inteligência ativa. Porque budhi, essa inteligência, consegue compreender a doença, a velhice e a morte.
Se estiver angustiado com essas questões, como poderei viver alegremente esta vida, sabendo que esse é meu destino? Deveria me preparar para apreciar diferentemente esses processos de doença, envelhecimento e aceitação da inevitabilidade da morte?
Quando a casa está pegando fogo, é tarde demais para tomar as medidas preventivas que evitam os incêndios. Então, a vida dedicada ao conhecimento, uma vida inteligentemente programada e focada nos prepara melhor para os momentos difíceis. Isso possibilitará evitar o desespero, e nos permitirá, ainda, ajudar àqueles que estiverem em dificuldades.
Carência, dependência emocional, insegurança, a busca constante de atenção e/ou aprovação por parte dos demais são atitudes e sentimentos que precisam ser neutralizados através do conhecimento sobre a natureza de nós mesmo(purna).
O segundo verso desta terceira estrofe ensina que, se estivermos qualificados para dar esse passo, seremos adhikaris, pessoas preparadas para nos beneficiarmos do autoconhecimento, e assim, crescer interiormente.
Quando nos sentimos pequenos, queremos ser grandes. O desejo é o motor das ações. Apenas através da certeza de que não precisamos satisfazer os desejos para nos enxergar como pessoas aceitáveis, poderemos conhecer a verdadeira liberdade.
Mithyā é um conceito que precisa ser bem compreendido. Não significa ilusório, como interpretam algumas pessoas. Define algo que parece estar presente, sem está-lo. A serpente parece estar na corda, mas ela nao existe. Isso é mithyā. Qual é a cor real das plumas do pavão? Nao existe uma cor real. Apenas cores que variam conforme o ângulo em que olhamos.
A cor azul parece estar presente no céu, mas o céu nao é azul. Presença e ausência não dependem de nós. Assim compreendermos o verdadeiro desapego. Tudo na criação está sujeito a mudanças e destruição. O único que não muda é Brahman, o Ser.
Na distância pode parecer agradável a ideia de escalar uma montanha. Porém, quando chegarmos perto da ladeira e começarmos a subí-la, o cansaço, os arbustos espinhentos e as pedras podem nos fazer desistir da empreitada. Na distância, os objetos dos sentidos parecem mais sedutores do que são quando chegamos perto deles. A grama do vizinho é sempre mais verde.
Harih Om!
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Comentários de Swami Visharadananda, discípulo de Swami Dayananda. Estudado em Rishikesh em fevereiro de 2006. Tradução de Pedro Kupfer. Digitado por Ângela Sundari, a partir dos nossos cadernos de anotações.
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