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O Problema é Você, a Solução é Você. Parte II - Swami Dayananda

Tradução e Apresentação Humberto Meneghin

Dando continuidade ao livro The problem is you, The solution is you, nesta segunda parte, Swami Dayananda nos fala sobre a procura incessante daquilo que pode estar bem à nossa frente mas, devido à ignorância, não percebemos. Para uma proveitosa compreensão do texto, sugerimos a leitura da primeira parte: “O problema”. No entanto, a sabedoria aqui presente independe de qualquer outro complemento.



2) A BUSCA

OS DOIS TIPOS DE BUSCA
Qualquer coisa que seja considerada desejável por nós se torna um objeto de busca. Há dois tipos de busca em nossa vida. A primeira é a busca pelas coisas que considero desejáveis e que ainda não tenho. Coisas como conforto, dinheiro, poder e descendência estãonesta categoria.

Eu vou em busca dessas coisas e me empenho no esforço necessário para obtê-las e conquistá-las, utilizando o conhecimento, as habilidades e os recursos que tenho disponíveis. Essas coisas que busco são muito desejáveis para mim em um dado momento e então isto se torna sadhya, ou seja, aquilo que deve ser conquistado. Entretanto, mais tarde, eu posso mudar o meu ponto de vista sobre isso.

O segundo tipo de busca também está vincuada aos objetos que consideramos desejáveis, mas com uma diferença. Enquanto que o primeiro tipo de busca pertence aos objetos que não tenho, este segundo tipo de busca se relaciona aos objetos que tenho, mas acho que não tenho.

Aqui, o tipo de busca também é a mesma da que acontece no primeiro caso. Eu acho que não tenho uma coisa e então eu começo a procurá-la por toda parte. É como o caso da pessoa que busca seus óculos perdidos.

Esse homem, em um domingo pela manhã, queria ler o jornal e para isso precisava de seus óculos. Abriu a gaveta da escrivaninha, pegou os óculos, colocou-os e começou a ler o jornal. Enquanto ele estava lendo, um amigo apareceu para vê-lo. Então, deixou o jornal de lado, ergueu os óculos para acima da testa e começou a falar com o amigo. O amigo se foi e depois de meia hora este homem quis voltar a ler ao jornal e ao pegá-lo notou que precisava novamente de seus óculos para leitura e então, começou a procurá-lo. “Onde estão meus óculos?” Ele os procurou em todos os lugares possíveis.

Os óculos não estavam sobre a mesa, não estavam na gaveta, nem pelo chão. Quando percebeu que não podia encontrá-los em lugar algum, começou a gritar: “Onde estão meus óculos?” A esposa veio da cozinha e começou a olhar para ele e as crianças também vieram assistir aquela cena. Finalmente, o filho mais novo não conseguiu mais se segurar e apontou para os óculos, que estavam na testa do pai. Aí, o homem percebeu que os óculos que estava procurando estavam com ele o tempo todo.

Então, o que buscava estava lá não por que aquele homem não tinha os óculos, mas sim por que ele pensou que não os tinha. Ele era o problema e ele foi a solução. Ele era o problema porque ele achava que não era o possuidor dos óculos. Ele foi a solução porque ele era o possuidor dos óculos.

Não há distância física alguma entre aquele que não possui e o possuidor dos óculos. Mas ainda há uma distância a qual o faz um buscador. Esta distância é criada pela ignorância. Portanto, alguém pode buscar por aquilo que não tem e como também pode buscar por aquilo que acha que não tem. Então, se alguém acha que não tem aquilo que deseja, a única coisa a se fazer é buscá-la.



A BUSCA NA VIDA DOS HUMANOS
Se nós olharmos para a nossa vida e nos perguntarmos o que nós tanto buscamos, nós encontraremos todos os tipos de coisas, coisas as quais estamos mais do que prontos para tê-las ou do contrário, coisas das quais queremos nos ver livres. Toda essa urgência que o ser humano sente em buscar o que deseja, se incluem nestas três categorias básicas:

1) viver uma vida longa,

2) obter felicidade, e

3) adquirir conhecimento.

Você se dedica a uma série de atividades para se manter vivendo: “eu não quero morrer hoje; quem sabe amanhã.” Isto significa que não há o amanhã, pois todo amanhã é hoje. Eu estou vivo no presente momento e eu não posso pensar na destruição da minha existência. Há um amor natural inerente ao Ser.“ Eu quero viver” é um anseio natural, não é planejado por ninguém. Até um recém nascido tem o anseio por viver, pois há uma grande força nele mesmo que o sustenta como um ser vivo.

Há, definitivamente, uma força que evita a morte e também a velhice. Mas, nós também encontramos pessoas que se sentem como se estivessem cometendo suicídio. Então, parece que aquele propósito, aquela força para viver não é um desejo, um anseio universal, por que há contradição, pois alguém está pronto para desistir de viver.

Então eu adiciono mais um ponto: eu quero viver e viver feliz. E, se eu levar em conta toda a minha vida, vou chegar à conclusão que o futuro não me traz nenhuma garantia de felicidade e a tristeza predomina em mim, e assim, me torno deprimido. Este processo errado de pensar pode me levar a cometer suicídio. Então, alguém comete suicídio para escapar da tristeza; destarte, o anseio de viver feliz é tão poderoso quanto o anseio de simplesmente viver.

Então, como ser humano, este não pode permanecer ignorante. Desde a mais tenra idade há um chamado ao conhecimento. Você dá um brinquedo para uma criança brincar e a primeira coisa que faz é abri-lo. Perguntas como: Por que? O que? Como? Vem a mente daqueles que estão prontos.

Há pessoas que gostam de saber das fofocas, de ler jornais, revistas, etc., porque nada deveria acontecer sem que fiquem sabendo. Então, a ignorância é algo que você não pode suportar. Você está com uma grande pressa, correndo com seu carro e encontra um grupo de pessoas reunidas pela calçada e então você diminui a velocidade, coloca a sua cabeça para fora do carro e tenta descobrir o que está acontecendo.

Se você quiser atrapalhar o sono de sua esposa durante a noite, apenas diga a ela antes de ir dormir que tem uma coisa muito importante a lhe dizer, que você não pode contar naquele momento e que ela tem que aguardar até a manhã seguinte. Ela implorará a você que pelo menos conte um pouco sobre o assunto, pois ela não conseguirá permanecer na ignorância de não saber do que se trata.

É assim que as revistas, novelas e séries de televisão mantêm a curiosidade viva cortando a estória ou drama quando chegou a um ponto crítico e então você vai querer ler a próxima edição ou ver o próximo capítulo. Nós fazemos o mesmo em nossas conversas, pois a ignorância atrapalha apenas quando incomoda e se você sabe pouco, você vai querer saber mais. Então, todas as atividades na vida são para preencher esses três naturais anseios.

Há ações para postergar a morte e retardar o envelhecimento porque eu concluo que eu sou mortal. Há ações que me fazem mais feliz do que sou. Eu quero me livrar da infelicidade, pois cheguei a conclusão de que sou infeliz. Eu me sinto incompleto e então existe um desejo de me ver livre de não ser completo, da infelicidade. Essas ações fazem com que eu me torne mais informado, adquira mais conhecimento, porque eu cheguei a conclusão de que sou ignorante.
Essas três conclusões: eu sou mortal, eu sou infeliz ou incompleto e eu sou ignorante – formam a base de todas a minhas ações. Estas três conclusões são o problema e o Vedanta diz que esses são problemas indesejáveis. Na visão do Vedanta, você é apenas o oposto do que você quer se tornar.

Eu sou infeliz é o problema que é resolvido apenas quando eu vejo e percebo que o “eu” é uma outra coisa, algo que é distinto do ser triste – não é a tristeza e que está livre da tristeza. O Vedanta diz que o “eu” é livre da tristeza e é o que nós veremos agora.



O PROBLEMA DA TRISTEZA ESTÁ CENTRADA NO “EU”
A tristeza surge independente da noção de “eu sou triste”, e o problema da tristeza somente pode ser resolvido quando me conscientizo do fato que “eu não sou triste”. Na visão do Vedanta eu sou apenas o oposto do que quero me tornar e de onde quero me ver e estar. Se você chegar a conclusão de que é limitado – que tem limitações, você tem que ser libertar disso. Se há limitação no “eu”, também deveria haver liberdade, liberdade da fome, sede, de ser discriminado pelo mundo. Esta liberdade tem que estar centrada no “eu”, não pode estar fora de você, muito menos dentro de você. Tem que ser você.

Se a tristeza é decorrente do mundo em que vivemos, a felicidade também é. Você se vê triste quando apenas vê um lado da situação; saiba que há o outro lado também, o qual é tão bom quanto o esse lado e que pode fazer você feliz. E, é isso que nós chamamos samsara.

Sukhi aham (eu sou feliz); duhkhi aham (eu sou infeliz). Agora, pode-se entender que sukham (felicidade) é uma coisa e sukhi (feliz) é outra. Duhkham (infelicidade, dor, mágoa) é uma coisa e duhkhi (infeliz, estar magoado) é outra coisa.

Há uma coisa importante a saber: Duhkham é mágoa enquanto que duhkhi significa, eu estou magoado, eu estou triste. Agora todo o nosso esforço é para remover duhkham, para remover a mágoa trazida por mudanças nas situações da vida. Mas o problema não é duhkham, mágoa; o problema é a idéia, “aham duhki”– eu estou magoado.

O animal tem apenas sukham e duhkham, prazer e dor. Eles não tem o conceito, a percepção, aham sukhi – eu sou feliz ou aham duhkhi- eu sou infeliz.

Uma vaca pode ser uma vaca sortuda se tiver alguém que a alimente bem e cuide dela. É uma vaca saudável e sente o prazer, mas não tem a noção, o conceito do que é sukhitvam, a noção do “eu sou feliz”. Ela também não tem um complexo “eu sou uma vaca superior, eu pertenço a tal família” etc... A vaca não tem qualquer senso, noção ou julgamento como este, centrado no eu, nela mesma. Se outra vaca tem os cifres tortos ou feios, ela não pensa “Eu sou feia, outras vacas são mais bonitas do que eu. Eu não sei o que fazer,estou presa a estes chifres que não posso removê-los e ainda eles me chamarão de uma vaca defeituosa”

Vacas não têm um problema como este. Se uma vaca não obtém comida, ela sente dor e se obtém comida, definitivamente há algum prazer nisso. Vacas sofrem e experimentam conforto, mas elas não parecem ter qualquer noção de duhkhitvam ou sukhitvam, de ser triste ou estar alegre.

O ser humano, por sua vez, tem o julgamento centrado no “eu” e isto faz com seus problemas aumentem.

O homem branco quer ser branco, mas não tão branco. Isto é um complexo e então ele vai a praia se bronzear, suportando o calor para se tornar um pouco menos branco. O negro tem os seus próprios complexos: ele quer ser um pouco mais branco. Na Índia, nos temos nossos próprios complexos. “a garota é bonita, mas é escura!” Vacas não tem tais complexos. Há duas vacas as quais pertencem à mesma criação, tem a mesma idade e fornecem a mesma quantidade de leite. Mas, há uma grande diferença no preço de venda delas. Por quê? Porque uma vaca tem os chifres bem formados e a outra os tem tortos! As vacas em si não tem consciência desta diferença e então elas não tem nenhum complexo. É o proprietário das vacas que tem problemas! Esse problema de complexos gerado por ele é um problema humano.

O ser humano é consciente dele mesmo ou dela mesma e como pessoa, se vê sukhitvam (o estado de ser-estar feliz) e duhkhitvam (o estado de ser infeliz). Então surgem estes tais complexos como “Eu sou sukhi (feliz)”, “eu sou duhkhi (infeliz)”. “Eu sou limitado”, “estou sendo passado para trás pelos outros”, etc.. Esses são problemas e ser dependente de cem milhões de coisas para me sentir seguro e feliz é um problema.

O mundo é infinitamente vasto e independe de mim, mas tem a capacidade de me limitar. Eu nasci com essa dependência do mundo, limitado por isso, condicionado por isso. Eu sempre me manterei limitado e condicionado pelo mundo. O mundo definitivamente me limita e aqui está o problema, se isso me torna duhkhi, o problema de duhkhitvam nunca poderá ser resolvido. Se dhukhivam aparece, surge do mundo, se a minha infelicidade acontece porque o mundo me limita, eu sempre deveria estar duhkhi triste, limitado, magoado. Mas apesar de minha pequenez, ser limitado pelo mundo, ser desprovido de muitas coisas que eu quero, que desejo ter, eu me vejo ocasionalmente uma pessoa feliz.

Durante este momentos a verdadeira pessoa que se olha como triste, agora se vê como feliz. O que mudou no mundo ou no “eu” para me tornar feliz? O corpo não mudou, as emoções, o conhecimento, as lembranças não mudaram. Eles continuam os mesmos. O mundo não mudou, o emprego não mudou, o governo não mudou; eu ainda tenho as minhas queixas contra a comunidade. Então o mundo ainda me limita muito e eu sou capaz de rir. Tornar-me feliz agora e isso significa que esses são os momentos que eu me vejo diferente, completamente diferente. Formalmente eu me vejo como duhkhi e agora eu me vejo como aquele que é livre de duhkham, e isto acontece mesmo quando eu acho graça e rio de uma simples piada.

Havia um homem que achava que era um gato. Ele estava com medo de sair de casa, porque nas ruas havia cachorros e ele achava que eles iriam pegá-lo. Esse homem foi levado ao psicanalista que o convenceu, através da comparação com um verdadeiro gato de que ele não era um gato, que não se assemelhava nenhum pouco a um gato. E por comparação, o psiquiatra convenceu aquele homem que ele possuía todas as características de um ser humano. Uma vez convencido pelo psicanalista, sentindo-se aliviado do complexo, o homem se tornou feliz. Mas no dia seguinte, continuou a evitar a sair na rua! Ele retornou ao psiquiatra, que perguntou: “Você ainda não está convencido que é um ser humano e não um gato?” “Sim, eu estou convencido.” “ Então, por que você está com medo de sair de casa?” “ Eu sei que não sou um gato, mas como os cachorros sabem que não sou?”

Você pode rir disso agora. O que mudou em você? Que problema você solucionou? Seu trabalho é o mesmo; sua esposa está doente; a sogra ainda não foi embora! Todos os problemas estão intactos e você continua rindo. É verdade que existem problemas os quais tem que ser enfrentados, objetivamente. Mas o problema da tristeza não tem nada a ver com o mundo exterior. O problema da tristeza está centrado em você, na visão e noção que você tem sobre você mesmo e o mundo.

Você é o problema quando diz: “Eu estou triste”. E quando você ri, o que você é? Como você se sente? Você é a solução. Não existe nenhum desejo preenchido ou nenhuma solução para o problema externo quando você ri. Tudo o que aconteceu é que você se olhou como você é. Tudo o que foi necessário para você se ver livre da tristeza é que você se viu como você é.

Está escrito em nossas escrituras que a mente é a causa para o nosso aprisionamento e libertação. A mente aqui significa a noção, a idéia que você tem de si mesmo – sua conclusão: “eu estou muito só”. Esta noção que você tem, este auto julgamento é um problema e portanto a clareza mental, o auto conhecimento é a solução.

Na visão das Upanisads, o eu é livre. Como no exemplo do quebra cabeças, quando você acha que a solução para o quebra cabeças está fora do problema, o apta, aquele que conhece, tem sabedoria, pode ver a solução no próprio problema.

Na visão dos sastras, das escritura, a previsão de que eu sou a solução é válida o suficiente levando-se em conta que apesar de todos os problemas, eu me vejo e me sinto ocasionalmente feliz. Se todos estes problemas, estas noções são reais, não posso deixá-los de lado. E eu jamais posso ser feliz, a não ser que eu deixe de lado esses problemas e essas noções que me limitam.

O fato de eu me sentir feliz significa que é possível deixar de lado estas limitações que tenho de mim mesmo.

Agora considere um menino que acha que seus dentes não são bonitos, nem bem feitos. Seus dentes não são alinhados, ele tem dois dentes extras. Ele não aceita esses dentes e ele está consciente que seus dentes são feios. Ele deliberadamente evita sorrir e fecha a boca logo que se lembra de seus dentes. Mas mesmo assim, algumas vezes este menino sorri. Você sabe por quê? Porque naquele momento, ele é uma pessoa que realmente é; ele deixou de lado a idéia de que é feio. Aquela noção, aquela idéia não real; algumas vezes ele se pega rindo e então está claro que o garoto não é feio realmente e que ele está se vendo de uma maneira errada. A visão do sastra é válida.

Minha aspiração natural para me ver livre da infelicidade é uma prova válida de que o “eu” é livre e feliz. Há uma aspiração natural para se ver livre de ser infeliz. Eu gosto do que é natural e eu quero me ver livre do que não é natural. Se a infelicidade e a mediocridade fossem naturais para mim, se fossem características essenciais de Atma, do Ser, eu nunca poderia me livrar delas. Mas durante o sono profundo e nos momentos de felicidade, eu realmente me desvinculo de todas as idéias–noções que me fazem sentir pequeno, limitado. Eu me vejo feliz quando estas limitações não estão presentes.


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