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Valores: Diretrizes para Ação - Por Swami Dayananda

Os seres humanos buscam a felicidade na vida; isto é a coisa mais valiosa para qualquer pessoa. Esta felicidade, ou ananda, é a própria natureza de cada um, que cada um está apto a experimentar sempre que a mente está tranqüila, contente, não-projetiva e livre de gostos e aversões. Mesmo que alguém não tenha descoberto a felicidade absoluta que ele próprio é, ele valoriza uma mente tranqüila e satisfeita. Quando vivencia um tal estado da mente, ele é uno consigo mesmo - não dependente de objetos externos para a felicidade.

O que são valores ?

Quando considerado em seus diferentes aspectos, o valor de ser uno consigo mesmo ou de usufruir de uma mente tranqüila resulta nos vários valores da vida: autenticidade, não-agressão, compaixão e assim por diante.Karmayoga é também um valor relacionado à realização da ação, porque ele gera uma mente tranqüila, livre de gostos e aversões. Valores são diretrizes para a realização de ações, a direção de negócios, as transações e o relacionamento com os outros. Essas diretrizes são importantes quando alguém se defronta com conflitos no tocante ao modo de agir em determinadas condições ou a como decidir o que é certo ou errado. Mala , ou impureza, já foi descrita como aquilo que mantém alguém afastado de si próprio: gostos, aversões, projeções. Valores são exatamente o oposto; quer dizer, eles mantêm a pessoa consigo mesma. Seguindo valores na vida, ela está apta a combater tendências negativas de gostos e aversões e, no decorrer do tempo, adquire uma mente pura e tranqüila.

Todas as escrituras recomendam valores para serem seguidos como sadhana; são qualidades a serem adquiridas. Quando se analisa um valor qualquer, verifica-se que ele leva a um valor - gerar uma mente tranqüila e manter a pessoa consigo mesma. Quando isso é compreendido, a importância ou a necessidade de seguir valores pode ser apreciada. Senão os valores permanecem apenas como mandamentos, como “faça e não faça”. O problema principal que as pessoas têm com os valores é que elas os aceitam sem descobrir o valor deles. Um pai adverte a filha para falar a verdade. A criança aceita a ordem devido ao amor e ao respeito que tem pelo pai, mas não entende porque ela deve dizer a verdade e não dizer uma não-verdade.O pai não levou a filha a descobrir o valor de dizer a verdade; sua importância na vida não foi explicada. Isso permanece em sua mente como um valor não assimilado que não poderá ser relacionado na vida do dia a dia. O valor de dizer a verdade é de novo confirmado por professores e pes­soas mais velhas, mas a sua relevância para a vida nunca vem a ser compreendida pela criança.

Quando cresce, a criança adquire um valor pelo dinheiro e pelo poder. Falar a verdade permanece apenas como uma obrigação imposta por seu pai e seus professores, e então isso não tem valor para ela. Mas ganhar dinheiro tem um valor, porque, evidentemente, dinheiro é necessário para viver, para obter prazeres e segurança. O mesmo se pode dizer com relação a obter poder. Os benefícios de adquirir dinheiro e poder são evidentes, as pessoas desenvolvem então um valor por eles. Esses valores são assimilados, não são valores resultantes de obrigações. Se para obter dinheiro e poder for preciso dizer uma não-verdade, a pessoa a dirá, porque dinheiro e poder são considerados importantes, enquanto a verdade não o é. Seu valor não foi descoberto. Falar a verdade é praticado apenas como uma obrigação para com o pai, o professor ou a sociedade, enquanto os valores por dinheiro e poder são assimilados, valores pessoais. Que chance possui o falar a verdade quando as coisas importantes na vida são dinheiro, poder, amigos e influência sobre as pessoas. Falar a verdade é praticado apenas enquanto for conveniente - enquanto não constituir obstáculo para a consecução de outros objetivos. Assim, os valores por certas coisas, como dinheiro, têm sempre a última palavra. Valores como falar a verdade sempre são sacrificados. A conveniência, não a verdade, torna-se a norma reguladora.

Valores não assimilados criam conflitos e um sentimento de culpa. A fim de assimilar valores, é preciso compreender o valor dos valores. Um valor é um valor apenas quando o valor dos valores é valorado. Uma mente simples, tranqüila é a coisa mais valiosa, porque é isso que a pessoa está tentando obter através de todos os empenhos na vida. Os valores que ensejam a aquisição desse estado mental deveriam ser os mais valiosos. Assim, se o valor de falar a verdade é descoberto como sendo maior ou pelo menos igual a ganhar dinheiro, a verdade não ficará comprometida por causa do dinheiro. Além do mais, o dinheiro é para benefício de mim mesmo, não para o dele próprio. Se, então, o dinheiro não me trouxer felicidade e conforto, eu certamente renunciarei a ele.

Estou querendo me livrar de qualquer coisa que não me permite estar confortavelmente comigo mesmo. Em todas as ocasiões de escolha, tenho instintivamente adotado uma escolha que, na minha opinião, vai me permitir ficar comigo mesmo. Não é que eu não tenha um valor por uma mente pacificada, tranqüila, alegre; esse fato é que não está claramente assimilado. Não compreendo que eu quero dinheiro, poder e coisas parecidas por causa de mim mesmo, não pelo dinheiro em si. Acho que dinheiro e poder me trazem felicidade por eles mesmos; por isso eu atribuo um valor errado a essas coisas.

Instintivamente, a pessoa possui um valor pela verdade, pela não-agressão e por outros valores que lhe propiciam usufruir da paz da mente. Quando este valor instintivo, que não é assimilado intelectualmente, é confrontado com os os falsos mas assimilados valores pelo dinheiro e por coisas do gênero, surge um conflito. Por exemplo, a pessoa não apenas tem um valor instintivo pela verdade, mas, na maioria dos casos, também sabe o que é a verdade numa determinada situação.Por essa razão, quando acha necessário dizer algo falso por ser conveniente, uma divisão surge dentro dela. A verdade é conhecida; uma mentira tem que ser inventada. No curso do tempo, essa divisão torna-se um hábito. Quando uma ação vai ser realizada, quem pensa decide uma coisa, quem age decide outra! A pessoa não se considera capaz de fazer o que quer fazer. Ela está sempre em conflito, sentindo culpa ou medo. Julga-se então diferente daquilo que é. Complexos de superioridade e de inferioridade aparecem. Nada pode ser mais prejudicial do que isso . Uma mente em conflito é uma mente agitada, inadequada a algo que valha a pena na vida, especialmente ao estudo das escrituras.

Assim, quando o dano provocado por não dizer a verdade é apreciado, o valor da verdade é reconhecido. Falar a verdade com conhecimento e convicção mantém alinhados pensamento e ação, evita conflitos e agitações e produz uma mente tranqüila.

Na Bhagavadgita, o Senhor Krsna oferece uma relação de valores que um buscador espiritual deveria seguir para atingir uma mente pura, uma mente adequada ao estudo das escrituras. Alguns desses valores são ausência de orgulho, despretensão, não-agressão, paciência e retidão. Esses valores serão analisados de forma sucinta para mostrar como cada um ajuda a pessoa a seguir a sua natureza, a evitar conflitos e a gozar de uma mente tranqüila ou pura.

Amanitvam ou ausência de orgulho

Amanitvan é a ausência de orgulho e arrogância. Uma pessoa orgulhosa exige respeito. Ela possui certas qualificações mas espera que os outros a reconheçam e a respeitem. Esse desejo de ser respeitada provém de um senso de insuficiência em relação a si mesma. Ela deseja manter as pessoas sob seu comando, se dando ares de importância , porque a sua felicidade depende de que os outros a respeitem. Ausência de reação favorável dá origem à raiva e à agitação. A pessoa não entende que respeito não deve ser pedido mas comandado.

As pessoas podem demonstrar respeito se alguém está numa posição de poder, mas o respeito desaparece quando o poder some. Em contrapartida, um respeito que é comandado permanece, esteja ou não a pessoa no poder.

Mahatma Gandhi obteria respeito, estando ou não no poder, como o faria qualquer um que esteja contente consigo mesmo e cuja felicidade não dependa de que as pessoas tenham respeito por ele. Uma rosa impõe respeito ao invés de pedir porque ela permanece consigo mesma, com sua beleza e fragrância, seja ou não respeitada. Eu deveria ser feliz com o que tenho. Se isso trouxer respeito, muito bem. Se não trouxer, minha paz mental não deveria ser perturbada, porque eu sou feliz com o que eu sou e não estou preocupado com o que as outras pessoas me fazem ser. Essa atitude de humildade ajuda-me a conservar uma disposição pacífica da mente, a permanecer comigo mesmo.

Adambhitvam ou ausência de presunção

Adambhitvan é a ausência de presunção - quer dizer, não aparentar ser diferente do que eu sou. Uma pessoa presunçosa exibe mais do que possui, se comparada a uma pessoa orgulhosa que quer ser respeitada pelo que possui. Alguém finge ser importante exibindo-se com auxílio de roupas, maquiagem, dicção e assim por diante. Conta mentiras para cobrir deficiências, fazendo-as parecerem qualificações. Assim, achamos que as pessoas geralmente mentem sobre suas idades, salários e qualificações de modo a manterem um certo status assumido. Isso surge a partir de um valor errado pelo status, a partir de um sentimento de inadequação em relação a si mesmo. Um homem que mente sobre si próprio precisa lembrar-se e registrar todas as diferentes mentiras que pregou. Ele se dá conta de que está o tempo todo manipulando. Por contar mentiras e fingir ser diferente do que realmente é, ele cria uma divisão dentro de si e então consegue ficar fora de si mesmo. Por outro lado, alguém que encara a si mesmo e reconhece suas próprias limitações evita a desintegração da personalidade.

Ahimsa ou não-agressão

Ahimsa é a apreciação do fato de que não quero ferir ninguém, porque não desejo ser ferido por ninguém. Uma pessoa que é sensível e atenciosa consigo própria será também sensível e atenciosa com outros. Não-agressão pode então ser definida como a apreciação dos direitos e pontos-de-vista dos outros, inclusive membros dos reinos animal e vegetal. Na criação da natureza, uma vida depende da outra, mas prejudicar deliberadamente os outros além das necessidades mínimas de cada um é himsa, ofensa.

A agressão pode ocorrer nos níveis do corpo, da fala e do pensamento. Praticar a não-agressão a nível do corpo é fácil, mas praticar a nível das palavras requer controle sobre o discurso. Mesmo dizendo a verdade, a pessoa deve ser cuidadosa para não ferir os outros. É dito que se deve falar a verdade que é ao mesmo tempo agradável e benéfica aos outros. Um tal tipo de regra manteria a pessoa falando o mínimo. Não deverão ser faladas palavras ruins ou palavras que possam ferir os outros se se está cônscio do fato de que não se quer ouvir palavras ruins e desagradáveis.

Não-agressão a nível do pensamento consiste em não manter um pensamento ruim e negativo sobre outra pessoa.

Um homem que não é sensível e atencioso consigo mesmo ofende os outros porque não assimilou o valor da não-agressão. Ofender os outros é também escapar de si mesmo, e ninguém pode aprender enquanto escapa de si mesmo. A pessoa ferirá os outros várias vezes enquanto ela não apreciar o que é ser ferido. Praticar a não-agressão torna-me sensível a mim mesmo, faz com que eu me reconheça. Sensibilidade é a força dos seres humanos.

Ksanti ou Acomodação/Tolerância

Praticar a não-agressão torna a pessoa sensível. Quanto mais sensível é a pessoa, mais inclinada a perturbar-se ela fica diante do comportamento dos outros, porque a sensibilidade se mostra como a habilidade para fazer distinções sutis.

Uma pessoa sensível tende a reagir diante do comportamento dos outros porque os outros não podem satisfazer suas expectativas. Por essa razão, torna-se necessário seguir outro valor, Ksanti, ou tolerância, que é um estado da mente. Tolerância significa que a mente está equilibrada mesmo se ela tiver motivos para se perturbar; ela se acomoda às faltas e limitações dos outros.

Lembrem-se, todo o mundo luta com limitações e tenta lidar com a sua mente. No processo, todos reagem ao mundo. Essas reações não podem ser levadas a sério. Uma vez que a causa da reação das outras pessoas é compreendida, isso provoca simpatia, não raiva. Cada situação deve ser explicada do ponto-de-vista do outro. Então uma atitude compreensiva de ajudar aos outros vai aparecer.Já que eu gosto que sejam condescendentes comigo, também devo ser condescendente com os outros. Tolerância ajuda a manter uma atitude equilibrada, uma mente estável.

Arjavam ou Retidão

Arjavam consiste em ser livre da rigidez, livre de maquinações. É retidão, abertura e franqueza, apenas possivel para aqueles que mantêm a coerência entre os pensamentos, as palavras e as ações. É possível para aquele que é autêntico, que se aceita como é, que reconhece tanto as suas limitações quanto as suas habilidades. Arjavam também é de auxílio para que a pessoa permaneça consigo mesma.

Assimilação de valores

Considera-se assimilado um valor quando a pessoa o segue naturalmente. No começo, a mente tem que deliberar para falar a verdade, porque agir assim talvez envolva algum sacrifício. Mas quando o valor é seguido constantemente e o valor pela paz da mente resultante dessa atitude é apreciado, falar a verdade torna-se natural. Então a pessoa só consegue falar a verdade. Então já não é mais um valor: é a sua própria natureza. Todos os valores deveriam ser assimilados dessa maneira.

Uma vez que cada valor tem como alvo o mesmo objetivo - alcançar uma mente tranqüila - nenhum valor pode ser seguido como um valor isolado. Não é possível que alguém diga a verdade e seja ao mesmo tempo pretensioso. Ninguém pode praticar a não-agressão sem ser tolerante. Todos os valores estão interrelacionados. De fato, eles constituem apenas um único valor - o valor por uma mente simples, tranqüila - visto sob diferentes pontos-de-vista. Todo valor leva a pessoa a ficar consigo mesma. A vida torna-se simples. Uma mente que ususfrui de valores assimilados é uma mente pura. Essa mente será capaz de apreciar o fato de que é ananda, quando isto lhe for revelado ou mostrado. Essa pessoa está qualificada para aprender e apreciar Vedanta.

Artigo publicado em Mananan, Jan/Mar, 1981, e posteriormente incluído no livro “The value of the values”, que já foi traduzido para o português, com o mesmo título “O valor dos Valores”. Tradução de Lucia Cantanhede.


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