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O que é Sadhana? Por Swami Dayananda
O significado da palavra sadhana é explicado como "o meio para alcançar um fim desejado". O fim é chamado de sadhya e a pessoa que deseja alcançar esse fim é chamado de sadhaka (o buscador ou aquele que busca o fim desejado através de vários meios). Quando o fim é alcançado, o buscador se torna um siddha (aquele que alcançou). A realização em si é chamada de siddhi.
Ao discutir sadhana, não estamos interessados em nenhum dos meios e fins que estão dentro do leque de opções de um ser humano. Não estamos interessados no meio de ganhar um fim limitado como uma casa ou um carro ou um apartamento. Estamos interessados no fim que pode ser chamado "o fim". Em relação a esse fim, o ser humano não tem escolha. Já que os seres humanos têm viveka (discriminação), esse fim acaba sendo o único que se busca. É esse fim que nossos ancestrais estavam buscando, é o mesmo fim que nossos contemporâneos querem e será o mesmo fim pelo qual as pessoas que virão depois de nós também estarão buscando. Esse fim é desejado por todos, em todos os tempos e em todos os lugares. Mesmo se uma pessoa aparenta estar atrás de vários fins diferentes, esse fim estará por trás de todos eles. Este é o fim por trás de todos os outros. O meio de alcançar esse fim é o verdadeiro sadhana.
E qual é "o fim" que todos buscam na vida? É o fim que me deixará sem querer mais nada. Esse fim deve me libertar de todos os desejos. Qualquer desejo que eu tenha não é pelo desejo em si, mas apenas para me libertar do próprio desejo. Fazemos algo porque pensamos que fazendo aquela ação e realizando aquele desejo ficaremos livres. Se eu posso fazer uma ação sem ser dependente do resultado da ação para a minha felicidade, eu sou um siddha, um realizado.
Somente quando a pessoa sabe exatamente o que é para ser alcançado, ela se compromete com o sadhana. Os problemas no chamado campo espiritual são devidos ao fato de que o sadhya, ou aquilo que é para ser alcançado, não está claro. Então, qualquer pessoa bizarra se torna um guru e qualquer método fora do comum se torna sadhana. Se o fim é conhecido de maneira apropriada, o caminho se torna claro.
A natureza do meio depende do fim. Portanto, o fim deve ser definido antes do meio. Assim, na Gita, o Senhor Krishna ensina a Arjuna primeiro o sadhya, ao invés de sadhana. Ele diz: "Assim como não há existência para uma coisa inexistente, uma coisa existente jamais cessa de existir. Saiba que aquele (que existe e jamais deixa de existir) é indestrutível". Essas frases descrevem o fim. Somente depois, o Senhor Krishna fala sobre os vários meios.
Todo Ganho envolve uma Perda
O que se quer fundamentalmente é a liberdade interna, a liberdade de todos os desejos. Uma pessoa alimenta desejos não para perpetuá-los, mas para se ver livre deles. Pode-se livrar de um desejo ao satisfazê-lo, rejeitá-lo ou ao ir além dele. Aí se vê claramente que uma pessoa mais um desejo não pode ser uma combinação feliz. A expressão do desejo revela uma incompletude. A pessoa espera tornar-se completa satisfazendo um desejo e, então, luta para realizá-lo. Mas, no processo de realização do desejo, algo se perde. Em qualquer ganho, há sempre uma perda. Se eu ganho poder, eu perdi o dinheiro com o qual eu comprei o poder. Se eu ganho um carro, eu perco minhas economias para comprar o carro. Se eu me caso, eu perco a liberdade do celibato. Do ponto de vista do que eu ganhei, há um ganho, mas do ponto de vista do que eu gastei para conseguir, há uma perda. Essa é a natureza de todo ganho. Não existe ganho que não envolva uma perda.
Vamos pensar numa pessoa religiosa que acredita no paraíso, punya (mérito) e papa (pecado). Essa pessoa pode ganhar o paraíso de acordo com os méritos obtidos nesse mundo. Só com muitos méritos uma pessoa pode desfrutar as delícias do paraíso. E mesmo quando desfruta das delícias do paraíso, as pequenas delícias desse mundo não estarão disponíveis. Não se pode desfrutar desse mundo e do paraíso ao mesmo tempo. Tem-se que desistir de um para ganhar o outro. Esse é o destino dos seres humanos.
Nesse mundo relativo, qualquer ganho relativo tem que envolver uma perda relativa: nenhum ganho é absoluto. Mas as pessoas só querem ganhos absolutos, sem nenhuma perda. Então, eles não têm como obter aquela liberdade, aquela completude, aquela plenitude, aquela não-limitação que eles sempre procuram. Essa procura está atrás de todas as buscas da vida.
Se uma pessoa não consegue obter esse ganho absoluto, essa completude, ela poderá desistir da procura? Não, porque a busca é natural. A pessoa não deseja deliberadamente, mas se vê desejando (a completude). A busca para atingir a completude ou a liberdade interna não é um desejo adquirido, mas um desejo natural. E exatamente porque é um desejo natural sempre fazemos uma tentativa de alcançá-lo. E então começamos a ir atrás de vários ganhos. Mas todos os ganhos nesse mundo, sendo relativos, envolvem uma perda. Dispondo de esforços limitados, o ser incompleto não poderá jamais se tornar completo. Pode-se ganhar algo, mas ganhando, o que foi gasto em termos de esforços, foi perdido. Logo, uma análise dos vários fins conhecidos por nós, aponta para a total desesperança da situação. Quando se descobre essa desesperança, a vida ganha uma vantagem. Descobrimos que atrás de todas as ações está apenas o desejo de se alcançar aquele único fim. O Senhor diz na Gita: "Em todos os momentos, por vários meios, o homem quer alcançar a Mim, o ser completo."
Aquele que chega a essa desesperança se torna desencantado com a vida. Se não se consegue uma orientação adequada nessa etapa, perde-se o entusiasmo pra continuar a fazer o que se estava fazendo, e não se tem outra direção para onde ir. Por não haver algo melhor, pode-se batalhar, mas essa situação só gera frustração.
Se você consegue perceber o problema, você tem maturidade. Mas também está suscetível a qualquer guru. Como um homem fraco, suscetível a qualquer vírus no ar, você se torna suscetível a qualquer coisa estranha que aparente ser espiritual. Você quer fazer algo estranho, pois você já tentou todas as coisas normais e aceitáveis na vida. E, não vai gostar, se alguém disser a você: "Continue a fazer o que você vem fazendo; apenas mude sua atitude, com a atitude de yoga, continue a dirigir sua indústria, ajude as pessoas, continue com sua família e você crescerá e um dia você descobrirá a verdade." Você quer fazer algo diferente, tentar chegar à iluminação fazendo alguma coisa não usual. Então, você irá atrás, se alguém chega e diz a você: "Faça essa coisa inusitada; algo começará a subir pelas suas costas, chegará à sua cabeça, então você verá luz e ficará iluminado. Você será liberado!" Você fica ligado àquilo porque você não sabe qual é objetivo. Até que esse objetivo fique claro para você, você estará andando às cegas. Você tem uma tendência natural de fazer coisas esquisitas para ganhar algo que você não sabe o que é. Você pensa que essa completude, essa chamada iluminação, é um evento no tempo, que irá acontecer quando você fizer alguma coisa estranha, talvez embaixo da árvore bodhi!
Fazer algo não fará você completo
Através da análise, vamos ver se podemos adquirir a completude "fazendo" alguma coisa. Vimos antes que todo ganho envolve uma perda. Então, "fazendo" alguma coisa (inclusive as coisas estranhas), o chamado sadhana espiritual, eu não posso me tornar completo porque a completude significa um ganho absoluto que não envolve nenhuma perda. Eu não posso alcançar a completude através de um processo de transformação. Qualquer transformação, envolve uma mudança. Qualquer mudança significa abrir mão de um estado anterior e alcançar um novo estado. Uma série de mudanças, um efeito cumulativo de mudanças, também não pode me tornar completo. Dizer que por um processo de mudança, um ser incompleto vai se tornar completo, é uma contradição! Você pode até pensar numa mudança genética e transformar um burro num cavalo, mas você não pode se tornar completo por nenhum processo de mudança. Pela mudança, você ganha apenas novas qualidades, mas no mesmo processo, você perde qualidades anteriores e, portanto, continua incompleto.
Na vida, também, descobrimos que uma mudança não resulta na completude. Uma menina quer se tornar adulta, para que ela possa ser livre; um menino quer se tornar um senhor para que ele possa ter o respeito de todos. Mas o senhor inveja o mais novo! Qualquer tentativa, física, emocional ou intelectual, é limitada e não tornará a pessoa completa. Fazendo exercícios físicos, pode-se modelar o corpo, mas uma mudança física não pode produzir o ser completo. Nem uma mudança emocional pode produzir o ser completo. Um homem com raiva pode se tornar amoroso, mas isso não o faz completo. É uma mudança bem-vinda, uma vez que ele descobriu a sensibilidade em relação aos outros seres humanos, mas isso não o faz completo. Antes ele era raivoso e incompleto e, agora, ele é amoroso e incompleto! Da mesma forma, nenhuma realização intelectual fará alguém tornar-se completo. Uma mulher não vai se sentir completa ganhando um diploma ou um doutorado. Se muito, ela terá consciência das áreas em que ela é completamente ignorante. O que quer que se faça é limitado e incompleto em termos de tempo, lugar e objetividade. Qualquer sadhana, que alcance sadhya, está dentro do escopo de tempo e espaço. Todos esses meios não podem fazer a pessoa se tornar completa, mas, ao mesmo tempo, a pessoa não pode desistir da busca!
O Sadhana primordial
Já que nenhuma mudança pode me fazer completo, se tornar completo não é possível. Então, resta apenas uma possibilidade, de que eu já seja um ser completo, sem precisar passar por nenhum processo de mudança. Exatamente porque eu me vejo desejando e lutando o tempo todo para me tornar um ser completo, a única possibilidade que resta é que eu já seja o ser completo. Apesar de eu já ser um ser completo, parece que todo o tempo eu quero me tornar um ser completo. Se eu já sou um ser completo e, mesmo assim, ainda quero me tornar completo, esse dilema deve acontecer devido à auto-negação, que só pode ser em virtude da auto-ignorância.
Eu estou me negando e procurando por mim mesmo. Por trás de todos os objetivos, eu procuro apenas a completude que eu já sou. Uma vez que eu me considere como um ser incompleto qualquer adição ou mudança em mim mesmo não pode me fazer completo. Que sadhana pode remover essa pretensa incompletude? O meio deve ser aquele que removerá a auto- negação, a auto-ignorância. Esse meio, ou sadhana, é jnana ou auto-conhecimento. Conhecer a minha natureza verdadeira é o único meio de eliminar o problema da pretensa incompletude. Portanto, o meio primordial é conhecimento. Como o problema é de ignorância, apenas o conhecimento pode ser a solução. Isso pode ser ilustrado pela história do "Sr.Espaço do Pote" que alcançou a liberação.
Liberação do "Sr. Espaço do Pote"
Era uma vez um pote de 5 litros. O espaço dentro do pote - o "Sr. Espaço do Pote de 5 litros" tinha um sentimento de que era pequeno e limitado. Ele ficou, então, com ciúmes do "Sr. Espaço do Pote de 50 litros", que estava perto dele. Ele fez alguma coisa e se transformou num "Espaço do Pote de 50 litros". Ainda assim, o sentimento de limitação continuou porque agora ele se sentia enciumado do "Sr. Espaço do Pote de 100 litros"! Ele percebeu, então, que ele queria mesmo era se tornar ilimitado. Ele descobriu que qualquer que fosse o tamanho que ele tivesse, ainda continuaria limitado porque o ilimitado não pode ser alcançado ao se adicionar quantidades finitas. Ele não conseguiu se livrar de sua limitação nem conseguiu ser feliz sendo limitado. Então ele ficou sem esperanças e frustrado.
Um dia ele encontrou um estranho "espaço do pote". Digamos que ele teve muita sorte pois encontrou alguém com muita sabedoria: um "Espaço do Pote"guru! Aproximou-se do guru e disse: "Ó Senhor, eu sou limitado. Já tentei todos os meios possíveis, tive muitas experiências, visitei muitos lugares, mas ainda assim sou limitado. Existe alguma forma de me livrar desta limitação? O senhor poderia me ensinar como me livrar desse sofrimento?"
O Espaço do Pote guru disse: "Por um processo de mudança você não pode se tornar ilimitado. Você se transformou num "Espaço do Pote de 50 litros", mas ainda assim você é limitado. Você pode emagrecer ou expandir, mas ainda assim continuará a ser limitado. O limitado não pode se tornar ilimitado. Mas todo desejo que seja natural tem uma maneira de ser satisfeito. Sua busca é natural: portanto deve haver uma saída. Sim! Há uma saída. Sem nenhuma mudança, você tem que se descobrir o ser completo ilimitado. Como sua busca é natural, você já deve ser esse ser completo e não sabe."
O "Sr. Espaço do Pote de 50 litros" perguntou: "Se, como o senhor diz, eu já sou ilimitado, porque eu não me sinto assim?"
O guru respondeu: Essa é a minha pergunta! Você é o espaço ilimitado, então como você pode se sentir limitado? Isso só pode ser por causa da sua ignorância. Um "Espaço do Pote de 5 litros" dirá: "Eu sou um espaço de 5 litros de um pote". Um "Espaço do Pote de 500 litros" dirá: "Eu sou um espaço de 500 litros de um pote". O que há em comum entre essas duas expressões é: "Eu sou". O que há de diferente é o número 5 ou 500 ou 5 milhões. "Eu sou espaço" é o que não muda para todos os espaços de potes. Esse "Eu sou espaço" não é conhecido como deveria. Essa ignorância é o que faz você se sentir limitado. De que ponto de vista você diz: "Eu sou o "Espaço do Pote de 50 litros?". Você se vê apenas do seu próprio ponto de vista. Mas do ponto de vista "Eu sou espaço", de que tamanho você é? Você, o espaço, não tem forma. Há espaço em cima, há espaço embaixo, há espaço em volta. Na verdade, todos os potes, grandes e pequenos, têm sua existência em você, o espaço. Você é o espaço ilimitado."
O "Sr. Espaço do Pote de 50 litros" compreendeu então o que ele era realmente. Ele era, na verdade, o espaço que é ilimitado. Ele, então, se libertou.
Por que mudança passou o "Sr. Espaço do Pote" para se tornar ilimitado? Como ele se tornou ilimitado? Ele descobriu a verdade sobre si mesmo. Ele descobriu que, do ponto de vista do pote, ele era um espaço de 50 litros, mas do seu próprio ponto de vista ele era espaço ilimitado. Isso é chamado jnana (conhecimento) para aquele "Espaço do Pote". O sadhana primordial, o ensinamento, é chamado de pramana e o professor é chamado de guru. O ensinamento ajudou o "Espaço do Pote" descobrir que ele é espaço ilimitado. Esse conhecimento é o sadhana primordial.
Traduzido por Angela Andrade
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