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A Meditação na Tradição Yogika - Parte 2
Por Pedro Kupfer
No artigo anterior vimos os cinco passos do Upāsana Yoga, que deve ser praticado à guisa de preparação para melhor compreender e assimilar o ensinamento sobre o Ser. Resumindo, dizemos que esse processo consta de cinco fases, das quais as quatro primeiras (relaxamento, foco, expansão e valores) são a preparação em si, e a última, aquilo que poderiamos chamar de meditação real.
Nesta segunda parte do texto veremos alguns importantes aspectos desta prática, especificamente a relevância do upāsana, a meditação sobre os nomes e formas de Īśvara, o papel dos mantras e a contemplação dos mahāvākyas, as grandes afirmações védicas, que são a síntese da visão do Vedānta.
O upāsana sobre os namarūpas de Īśvara.
O quarto passo do Upāsana Yoga se pratica, como já vimos, sobre um valor universal. Essa reflexão sobre os valores nos ajuda a reavaliar a visão que temos de nós mesmos, mudando paradigmas e corrigindo distorções. Esses são os passos necessários para o antaḥkarāṇaśuddhi, a purificação do psiquismo. Essa purificação, por sua vez, é necessária para a correta assimilação do conhecimento do Ser.
Não obstante, o Upāsana Yoga pode igualmente ser praticado, com o mesmo propósito, sobre a visualização de um devattā, ou repetindo um mantra ensinado por um professor. Ao aprender um mantra no devido contexto, este se torna uma força muito poderosa, pois nos ajuda a nos conectar com Īśvara. Nesse sentido, cabe lembrar que não podemos aprender mantras num livro ou numa revista. É preciso conhecer o significado do mantra para usá-lo eficientemente como upāsana. Uma vez que tenhamos isso claro, podemos então fazer as meditações sobre os namarūpas de Īśvara.
Quando falamos sobre a realidade, usamos a palavra Brahman. Damo-lhe um nome para fazer upāsana, a contemplação, que é diferente de Brahman. Não precisamos, e aliás, seria contraproducente, repetir o nome Brahman, já que Brahman, sendo ilimitado, não pode servir como suporte para a meditação. Para o upāsana, usamos o nome de Rāma, o de Kṛṣṇa, o de Śiva. Porém, antes de entrarmos neste tema, precisaremos definir e explanar a importância dos mantras na prática.
Para entender os mantras.
Há diversos tipos de mantra, dependendo da maneira em que olharmos para eles ou da forma em que os classificamos. No contexto da cultura védica, mantras são textos metrificados que aparecem na primeira seção dos quatro Vedas: Ṛg, Sama, Yajur e Athārva. A esses mantras se opõem os Brahmāṇas, textos em prosa que figuram na segunda seção desses śāstras. Porém, nessa segunda seção dos Vedas encontramos ainda textos metrificados, as Upaniṣads, que também devem ser considerados mantras.
Os mantras são “traduções” da manifestação inteligente presente na criação, chamada Īśvara. Nas Upaniṣads, o próprio mantra Oṁ, por exemplo, é considerado uma espécie de símbolo sonoro, de “corpo” em forma de som de Īśvara, o criador, como veremos mais adiante através das práticas recomendadas na Māṇḍūkyopaniṣat.
Literalmente, mantra significa “instrumento do pensamento”. Os sons mântricos são considerados o melhor instrumento para purificar a mente e praticar nididhyāsanam. Mas cabe lembrar que a repetição de um som não é um fim em si mesmo: ela se faz em função do resultado: estabilidade do pensamento e reflexão sobre a identidade real.
Se nos observarmos no dia-a-dia iremos reparar que em muitos momentos ficamos sob tensão, com a consciência atenta apenas ao exterior e ainda com um diálogo interior, um ruído constante na mente, como um rádio que não desliga. Esse ruído de fundo forma a paisagem interior, o substrato das nossas experiências mentais.
Não é possível mudarmos essa paisagem apenas querendo calar a mente no grito: precisamos usar a ferramenta adequada. Os mantras nos ensinam a separar-nos das experiências e influências externas, nos levam para o silêncio e nos abrem o espaço interior. Eles predispõem a mente para meditar e nos conectam, através da reflexão em seus significados, com aquilo que somos.
O Yoga utiliza diferentes fórmulas para conduzir a mente a um estado de tranquilidade, o que lhe permite perceber a si mesmo como profunda calma, śāntaḥ. Porém, é preciso igualmente prestar atenção ao significado desses sons, como já vimos. Esses significados variam, assim como as formas mas todos apontam para a mesma realidade: Brahman, o Ser ilimitado. Cada mantra revela um dos diferentes aspectos de Brahman, nas formas do universo manifestado.
ABC dos mantras.
Bhajan: canção devocional hindu. O nome bhajan está associado ao bhakti, à devoção popular. Exemplos: os poemas de Kabir, Mirabai ou Tulsidas, cantados especialmente em festivais religiosos como o navaratrī, a festividade das nove noites dedicadas a Devī.
Bījamantra: um som “semente”, também chamado matrikā, “mãezinha”, associado aos diferentes aspectos da manifestação de Īśvara, os devatās. Há treze bījas primários, cada um deles associado a um devatā. Por exemplo, o bīja Aiṁ é associado a Sarasvatī, Duṁ é associado a Durgā, Gaṁ a Gaṇeśa, etc. Outro conjunto de bījas está associado, nas práticas do Yoga tántrico, com os sete principais chakras ao longo da coluna vertebral. Assim, o som Laṁ corresponde ao chakra básico, o bīja Vaṁ ao segundo chakra, Raṁ ao chakra do plexo solar, etc.
Japa: repetição de um mantra, frequentemente usando um mālā ou colar de 108 contas para a recitação de um mantra transmitido no momento da iniciação (dīkṣa) por um guru. Outra forma de meditação muito popular é a chamada japanamaḥ, na qual se repetem os nomes das manifestações de Īśvara, como Oṁ namaḥ Śivāya, Oṁ namo Narayaṇāya, Oṁ Gaṁ Gaṇapataye namaḥ, e o conhecido mahamantra, entre outros
Kīrtana ou saṅkīrtana: repetição de um mantra em grupo, em forma de pergunta e resposta, acompanhado de melodia e instrumentos musicais. Para fazer kīrtana também podem ser usados os japanamas mencionados anteriormente.
Patha: forma recitação dos hinos védicos dentro da tradição oral śrauta, associada ao Śrutiḥ. Essa recitação se faz de acordo com regras mnemónicas e de pronunciação bem estritas, assim como acompanhado por três variações no tom: udātta, “elevado”, que é o tom intermediário, anudātta “não elevado”, que é o tom mais grave, e svarīta , “soado”, que é o mais agudo.
Śloka: verso metrificado. Um śloka da Bhagavadgītā ou das Upaniṣads, por exemplo, pode ser repetido à guisa de meditação.
Stotram: hino de louvor dirigido a um devattā, uma deidade. Exemplo: Gaṅgā stotram, hino à deusa Gaṅgā, devattā do rio sagrado Ganges.
O papel do japa.
O japa é a disciplina meditativa na qual repetimos um mantra. Essa repetição pode ser feita em voz alta (vaikhārī), na forma de um murmúrio (upamṣu), ou mentalmente (manasa), sendo a segunda mais potente que a primeira, e a terceira mais potente que ambas. Outra maneira de fazer japa é escrevendo o mantra repetidas vezes (likhīta japa).
O japa tem a virtude de nos dar foco e atentividade. Ao fazermos concentração num devattā, numa deidade, o pensamento flui em direção a ela e, naturalmente, as emoções e pensamentos se acalmam. Isso, por sua vez, nos prepara para o conhecimento. Ensina Swāmi Dayānanda: “na prática de japa quebramos a associação livre dos pensamentos. Como o estímulo mântrico é sempre uniforme, fica fácil evitar a dispersão natural que tende a acontecer noutras situações”.
Swāmiji explica aqui que, através da prática de repetição de um mantra, aprendemos a estabelecer o comando sobre o pensamento. Essa adquisição do comando sobre a mente acontece da seguinte maneira: ao repetirmos um mantra sucessivas vezes, conseguimos estabelecer, de antemão, qual será nosso próximo pensamento.
Desta forma, adquirimos o comando sobre a mente, no sentido de que ela fica mais disciplinada e assim, podemos evitar distrações e conteúdos indesejáveis. Desta forma, o praticante fica em calma e consegue que sua mente se torne um aliado no processo do crescimento interior.
As quatro qualificações para mokṣa.
Sādhanachatuṣṭayam é o conjunto das quatro qualificações que indicam que uma pessoa está pronta e madura para assimilar corretamente o autoconhecimento:
1) nityānityavastuvivekaḥ, discernimento entre o perecedouro e o não perecedouro,
2) phalabhogavirāgaḥ, desapego em relação aos frutos das ações,
3) śamādiṣatkasampattiḥ, o conjunto das seis virtudes:
a) śamaḥ, comando sobre a mente,
b) damaḥ, controle dos sentidos,
c) uparamaḥ, capacidade de se ater aos próprios deveres,
d) titikṣa, paciência, tolerância
e) samādhānam, capacidade de concentração, e
f) śraddhā, confiança no ensinamento, e
4) mumukṣutvam, motivação para mokṣa.
As três fases do autoconhecimento: śravaṇam, mananam, nididhyāsanam.
O Ser deve ser conhecido. Esse é o propósito do Yoga: compreender quem somos. Para tanto, é necessário que haja um meio de conhecimento especial, diferente dos cinco meios de conhecimento através dos quais desvendamos a natureza. Os cinco pramāṇas ou meios de conhecimento que nos permitem conhecer a natureza são os seguintes:
1) pratyakṣa (percepção direta),
2) anumāṇa (inferência),
3) arthāpattiḥ (presunção),
4) upāmānam (comparação ou ilustração), e
5) anupalabdhiḥ (constatação da ausência de algo).
Estes cinco meios de conhecimento nos mostram a criação, a realidade das coisas. Porém, eles não servem para conhecer o Ser, pela mesma conta pela qual você não consegue enxergar seus próprios olhos.
Para olhar para nossos próprios olhos precisamos de um espelho. Porém, acontece que esse espelho sempre irá nos devolver uma imagem defasada no tempo, mesmo que seja apenas por algumas frações de segundo. Noutras palavras, sempre enxergamos o passado, nunca o presente.
Mesmo assim, consideramos que o espelho seja um meio de conhecimento válido para percepções visuais. Porém, acontece que Ātma não pode se refletir num espelho porque não é um objeto. Não há um Ātma que possa olhar para outro Ātma. Ātma não pode ser objeto de percepção, pois é o sujeito que observa.
Para conhecer esse sujeito que é Ātma existe esse sexto meio de conhecimento, que é muito simples. Ele consta de três fases que se realizam consecutivamente: śravaṇam, mananam e nididhyāsanam: ouvir, questionar e contemplar.
Swāmi Dayānanda ensina que “Ātma é a verdade do conhecedor e daquilo que é conhecido. Não há outro meio de conhecimento para Ātma que Brahmavidyā. Esse meio de conhecimento que é Brahmavidyā, expressa-se na forma de palavras. Isso é o Veda: palavras que revelam quem somos”.
Esse processo, śravaṇam-mananam-nididhyāsanam, aparece por vez primeira na Bṛhadāraṇyaka Upaniṣad, no diálogo entre o sábio Yājñavalkya e sua esposa Maitreyī. Numa passagem desta Upaniṣad, cujo título poderia ser traduzido como “A Grande Floresta do Conhecimento”, o sábio está prestes a renunciar ao mundo. Ele chama Maitreyī, sua esposa, e lhe diz que tomou a decisão de renunciar a tudo e ir para a floresta para levar uma vida de contemplação, dedicada ao autoconhecimento.
Também lhe diz que irá deixar todas suas riquezas com ela e sua segunda esposa, Katyayanī. Ele diz à esposa que busca a imortalidade, amṛtattvam, que significa aqui liberdade em relação aos condicionamentos. Quando ela lhe pergunta se essa liberdade pode ser conquistada pela riqueza que ele está lhe deixando, o sábio responde: “Não há a mínima chance da imortalidade ser obtida através da abundância [ou da renúncia a ela]”. II:4:2. Mais adiante, noutra seção do texto, Yājñavalkya diz:
“Em verdade, minha querida Maitreyī, é o Ser quem deve ser conhecido. Palavras sobre ele devem ser ouvidas. Reflexões e meditações sobre essas palavras devem ser feitas. Pelo conhecimento do Ser, minha querida, através do ouvir, o questionar e o refletir, tudo é conhecido”.
Usando o pramāṇa adequado para o autoconhecimento temos a chance de eliminar os problemas nascidos do julgamento destrutivo: o medo, a lamúria, a tristeza e as diversas formas de sofrimento. Tudo está conectado na ordem de Īśvara. Sendo cientes de que fazemos parte dessa ordem, dessa harmonia, o medo, a tristeza e a aflição simplesmente se esvaem.
O processo chamado śravaṇam consiste em dar a si mesmo a oportunidade de ouvir o ensinamento. É preciso ver o ensinamento como é, evitando colocar nele interpretações subjetivas, fantasias ou projeções de qualquer tipo. Swāmi Dayānanda diz que “a terra é geoide, mesmo que algumas pessoas no passado tenham afirmado que ela era plana. A natureza do açúcar é doce, embora tenha “visionários” que prefiram vê-la como sendo amarga. A natureza do ser humano é ilimitada, embora tenha gente que teime em afirmar que somos tão limitados quanto as limitações do corpomente”.
Objetividade é essencial. Para alcançá-la, precisamos aplicar o segundo elemento: mananam, o questionamento. Esse questionamento, essa inquirição, é essencial para eliminar as dúvidas, ao mesmo tempo que nos ensina a raciocinar de maneira clara e eficiente.
Fazer perguntas ao professor, portanto, sempre foi, e é, parte essencial do processo. Se não for assim, a contemplação, que é a próxima etapa, será feita sobre equivocações e não sobre certezas. Se as nossas conclusões sobre o ensinamento forem erradas, a aplicação delas na prática pode se tornar contraproducente ou até mesmo perigosa.
Uma vez que as dúvidas foram dirimidas passa-se à próxima etapa: nididhyāsanam. Nididhyāsanam significa contemplação ou meditação. Assim, diz Yājñavalkya: Maitreyī ātmanaḥ darśanena: “Maitreyī, Ātma deve ser visto”. Para que a visão do real possa ter lugar, é necessário evitar um último obstáculo: o das crenças e ideias equivocadas que possamos ter em relação a quem somos.
Assim, em prol da eliminação desses obstáculos, bem como para assimilar o conhecimento, pratica-se nididhyāsana, a meditação. Cabe lembrar que esse tipo de prática não nos ensina nada novo. Ela se faz sobre aquilo que se aprendeu anteriormente. Noutras palavras, é sábio lembrar, chegados neste ponto, que o simples fato de sentar para meditar não irá trazer conhecimento.
Expondo-se ao conhecimento através do contato com o mestre, ouvindo o ensinamento, Ātma é revelado ao olhar da inteligência, darśanam. Desta maneira, e para eliminar os condicionamentos e crenças arraigados ao longo da vida, é necessário meditar sobre a identidade real.
Nididhyāsanam, a internalização da liberdade.
O quinto tipo de meditação que listamos no início do texto tem como objetivo estabelecer o meditante em sua real identidade. As Upaniṣads ensinam que jivātma, o indivíduo manifestado na forma do corpomente, é idêntico a Brahman, o Ser pleno, ilimitado.
Mas, se esse Brahman é o que somos, porque é que queremos conhecê-lo? Não nos basta saber que somos de fato Brahman e pronto? Antes de iniciar a inquirição, aquele que é Brahman já sabe que é Brahman pois conhece a si mesmo como sujeito. Não há um objeto chamado Brahman que possa ser conhecido.
Se já nos conhecéssemos como Brahman não precisariamos fazer nenhum tipo de investigação. Qual é o propósito deste vichāra? Se não podemos objetificar ou examinar Brahman como um objeto, qual é a razão dessa busca? Aquilo que não estiver a priori presente em minha mente não pode ser um objeto de inquirição.
Por outro lado, não sendo Brahman um objeto que possa ser conhecido desde fora, pede-se uma mudança de perspectiva, uma mudança de atitude. Senão, o conhecimento de Brahman irá sempre escorregar entre nossos dedos como uma enguia, pois estaremos tentando reduzí-lo a um objeto diferente do sujeito que observa, que é o próprio Brahman. Ayamātma brahma. Este Ātma é prasiddha, é já conhecido, e esse prasiddha é Brahman. Nenhum śāstra não-dualista apresenta Ātma como sendo diferente de Brahman. Ātma é Brahman.
Se Brahman é o pronome, Brahman é o sujeito. Brahman é, como afirma o śāstra, aquilo que é “muito grande”, bṛhad, e esse bṛhad é o que sou. Então, a única coisa que preciso fazer é reconhecer esse fato. O pronome determina o adjetivo. Sobre Brahman, o śāstra diz que é incomensuravelmente grande, bṛhad. Isto é uma maneira de dizer que não está limitado pelo tempo ou pelo espaço. Não tem saṅkochaḥ, não tem limitação de nenhum tipo, portanto.
Os quatro mahavākyas.
A essência do ensinamento do Vedānta é que eu não sou este complexo corpomente. No entanto, tenho uma noção muito forte de que sou o corpo, de fato. Quando olho para o nascimento do corpo, vejo o meu próprio nascimento. Quando penso no momento da morte do corpo físico, vejo a minha morta. Isso é natural, mas equivocado. Como consequência desse erro, sinto-me mortal, limitado, insignificante. O ensinamento do Vedānta nos ajuda a superar esse condicionamento.
Assim, precisamos passar por um processo de descondicionamento, no qual lembremos regularmente que não somos o corpomente. O complexo psicofísico é um instrumento. Nada mais. Eu, enquanto consciência, sou aquele que dá origem ao instrumento, que se manifesta na sua forma, mas que não começa nem termina nele. Mahavākya é o conjunto das quatro grandes afirmações upaniṣádicas. São frases muito breves, que aludem de diferentes maneiras à realidade última, sintetizando a essência da visão do Vedānta. Esses mahāvākyas são os seguintes:
I. Prājñanam Brahman: “Brahman é Consciência”.
II. Aham Brahma’smi: “Eu sou Brahman”.
III. Tat tvam asi: “Tu és Isso”.
IV. Ayam ātma Brahman: “Este Ātma é Brahman”.
Repete-se mentalmente um destes mahāvākyas por um tempo, apreciando seu significado e reconhecendo que a natureza da Consciência é a ausência de limitação e não quaisquer outros conteúdos, pensamentos ou desejos. Não há necessidade de repetir estas palavras por um período mínimo de tempo ou por um número limitado de vezes, por exemplo 108, usando um japamālā.
O que importa é a atitude reflexiva com o qual o mahāvākya é feito, lembrando que a própria natureza é o Ser ilimitado. É necessário, ao mesmo tempo, evitar “vestir” mahāvākya como um discurso retórico que se encaixe na própria personalidade. Esse talvez seja o maior perigo desta meditação.
O praticante que não estiver atento para evitar esse obstáculo poderá se encontrar em maus lençóis. Dizemos isto pois, ao reduzir a visão libertadora do Vedānta a mera retórica, ele corre o perigo de usar esse discurso como um escudo para justificar o injustificável, já que o praticante que usar os mahāvākyas como um meio para realizar seus objetivos egoísticos corre o sério risco de atropelar o dharma, o bem universal.
Portanto, esta reflexão, este nididhyāsanam sobre os mahāvākyas deve ser abordado com o máximo de cuidado, reverência e humildade. Ele só deve ser iniciado sob a guia de um mestre, depois de realizado um intenso e sincero esforço através da compreensão, e à luz dos dois passos prévios: śravaṇam e mananam, escutar o ensinamento e dirimir as dúvidas, como já vimos.
Vale a advertência: isto não pode ser aprendido através de leitura ou estudo independente. O propósito do presente texto, nesse sentido, não é ensinar a meditação nos mahāvākyas, mas contextualizá-la devidamente dentro da tradição védica.
Conclusão.
Em síntese, então, temos dois tipos de meditação dentro da tradição védica, que se fazem com dois propósitos diferentes: por um lado o upāsana, à guisa de preparação da mente para o conhecimento, que abrange os quatro primeiros tipos de Upāsana Yoga que vimos. Por outro lado, o nididhyāsana, como forma de assimilar e contemplar sobre aquilo que já se sabe, que é o quinto e último tipo.
Cabe lembrar que nenhuma dessas formas de meditação serve ao propósito de provocar experiências místicas. Elas tampouco podem ser feitas com o intuito de se obter conhecimento. Sentar sob uma árvore para meditar, ficar horas a fio procurando manter a mente em branco não são formas de ficar mais sábio. Não vamos nos iluminar fazendo esse tipo de ação, assim como tampouco poderemos nos iluminar fazendo nenhuma outra ação, pelo simples fato de que as ações não trazem conhecimento.
A esse respeito, Swāmi Dayānanda nos esclarece: “Brahman não é algo a ser criado, pois já está aqui. O conhecimento de Brahman não é produto de um karma, mas a constatação de algo que já está presente, desde o início do tempo. Puruṣa é Brahman. Brahman não é o produto de uma ação”.
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Namaste!