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Ananda Marga - O Caminho da Bem-Aventurança
Yogins engajados na Transformação Social
Com sede na Índia, a Ananda Marga está hoje espalhada em 160 países do mundo, onde coloca em prática um caminho espiritual baseado na prática do Tantra Yoga - acompanhado de trabalhos educacionais e sociais, para melhorar as condições de vida das populações
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DÉBORA LERRER
Dada Dipa, 43, está há um ano e meio no Brasil. Do alto de seu português claro, mas ainda inseguro, esse monge neo-zelandês conta já ter percorrido as Filipinas, Austrália, Colômbia, Argentina e o Chile, onde desenvolveu os trabalhos comunitários, sociais e espirituais promovidos por sua organização, a Ananda Marga - termo que quer dizer "caminho da felicidade infinita".
Fundada na Índia em 1955, por Prabhat Ranjan Sarkar (1921-1990), cujo nome espiritual é Anandamurti, a Ananda Marga é uma organização humanitária que procura conjugar a evolução espiritual, através de aulas de yoga e meditação, com um trabalho social que inclui escolas, creches, atividades com adolescentes e mulheres e até assistência a populações que sofreram desastres naturais (um trabalho reconhecido pela própria Cruz Vermelha, com quem mantém parcerias).
Para esses monges, de nada adianta trabalho espiritual se a sociedade que os cerca vive mergulhada em uma crise social. "Nós trabalhamos com o aspecto interno, de união espiritual com o cosmo, e o externo, que é dar energia ao próximo", explica Dipa. "O mundo é uma criação divina, portanto, o serviço dedicado à criação, ao mundo, é um serviço a Deus".
Organização de caridade sem fins lucrativos, a Ananda Marga é uma dos poucos grupos de caráter voluntário e assistencial que tem sua origem no Terceiro Mundo. Hoje ela está espalhada em mais de 160 países. No Brasil, desde 1973 a Ananda cuida de um total de 13 creches. Em Porto Alegre, onde foi indicada pela comunidade para receber apoio do governo municipal, a organização possui cinco escolas de educação infantil em bairros da periferia da cidade. Na capital gaúcha, a Ananda também tem uma escola de ensino fundamental, uma rede de apoio às famílias carentes e desenvolve trabalhos educativos para adolescentes carentes, onde eles aprendem técnicas de paisagismo e estão desenvolvendo o projeto de instalação de um laboratório de ervas medicinais. "O governo local de Porto Alegre, que é do PT, é simpatizante do nosso trabalho e nos ajuda", conta Dipa.
Em São Paulo fica a sede latino-americana da entidade, localizada e em um bairro da zona norte da cidade. Além de manterem uma creche no Jardim Peri Alto, os membro da Ananda Marga costumam fazer doações semanais de comida às pessoas que vivem nas ruas de um bairro central. Em Brasília, a organização está desenvolvendo um projeto para trabalhar na reabilitação de presos. Além dessas atividades, a entidade possui comunidades rurais e espirituais na região de Juiz de Fora, em Porto Alegre e em Tatuí, no interior de São Paulo - onde eles também estruturaram uma clínica de tratamentos naturais. Para sustentar todo esse empreendimento social, Dipa explica que eles recebem doações de seus membros, de empresas, e realizam diversas parcerias com governos.
Reconhecidos pelos trabalhas que desenvolvem, aparentemente não têm dificuldades em obter recursos. "Estamos registrados como organização sem fins lucrativos. Com esse registro e mostrando o trabalho que nós desenvolvemos, conseguimos ajuda", diz Dipa, citando o exemplo do Paraguai, país que lhes repassou 50 mil dólares para a construção e administração de três escolas, uma delas com 250 alunos.
Embora a maioria de seus membros sejam laicos, casados ou solteiros, o vigor da Ananda Marga se deve a seus missionários, que além serem treinados para ensinar meditação e yoga, são integralmente dedicados ao serviço social desenvolvido pela organização. "Os monges e monjas têm dedicação completa, por isso são os encarregados do trabalho", conta Dipa.
Há 25 anos na organização, Dada Dipa explica que a dedicação integral às atividades da organização é uma das razões pelas quais eles não se casam. "É um compromisso para a vida inteira. Não casamos porque, assim, a dedicação de energia é completa para a atividade espiritual e social. Não é justo ter uma família, pois o monge não poderá dar energia suficiente para ela". Além de não terem família, monges como Dipa, que começou na organização aos 18 anos, têm que se mudar constantemente, "para evitar o apego a algum lugar em especial".
Para se tornar monge, os candidatos passam dois anos em treinamento em um dos centros localizados na Índia, Suécia, Filipinas e Gana. "Por dois anos a pessoa faz prática espiritual intensiva, estuda filosofia e depois faz um exame. Se passa, recebe um posto e fica à disposição da organização para trabalhar em algum lugar especificado por ela", conta Dipa.
Embora os monges permaneçam solteiros, Anandamurti, o grande mestre espiritual da Ananda Marga, era casado e mantinha uma vida normal de funcionário da companhia ferroviária quando fundou a organização e começou a formar missionários para espalhar seus ensinamentos pelo mundo.
Dipa explica que os grandes mestres espirituais do Tantra costumam casar "para dar exemplo para a sociedade". Ele diz que se não for assim, as "pessoas de família" não se sentiriam motivadas a seguir o caminho espiritual proposto por eles. "Um mestre espiritual está além do apego e do desejo, portanto não precisa casar, pode-se manter como monge. Se casa e leva a vida em família é para dar ânimo às outras pessoas da sociedade".
Tantra Sutil
A prática espiritual da Ananda Marga é buscada através do Tantra Yoga, que tem por objetivo elevar os seres humanos através de um processo de expansão da consciência. Segundo Dipa, o termo "tan", em sânscrito, quer dizer escuridão, e "tra", liberar, portanto, a palavra Tantra quer dizer "o que liberta da escuridão, da ignorância, das ataduras".
Através da prática de meditação e do yoga, os praticantes da Ananda Marga procuram despertar a kundalini, "a energia espiritual fundamental que fica dentro de cada ser, e elevá-la através dos chackras, os centros energéticos do corpo", explica Dipa.
Mas ao contrário da idéia corrente que vincula o Tantra quase que exclusivamente ao sexo, os membros da Ananda Marga não despertam a kundalini através do ato sexual. Essa ênfase sobre o aspecto sexual do Tantra se deve, segundo o monge, a alguns religiosos que peregrinaram na Índia disputando espaço com essa antiga filosofia espiritual. "Eles enfatizaram só esse aspecto do Tantra para fazer uma propaganda negativa", diz ele.
De acordo com Dipa, o "Maithuna", do Tantra, tem dois sentidos: o de união sexual entre homem e mulher, e o de união espiritual do indivíduo com o cosmos, uma união entre a shakti, a consciência individual, e shiva, a consciência pura. "Quando a kundalini chega ao último chakra ocorre a união entre shiva e shakti e isso é representado pela união sexual ou pela união entre o indivíduo e o cosmos", explica Dipa. "A Ananda Marga escolheu esse sentido mais sutil, o de união mística entre o amado e a amada. A amada representa a consciência individual e ela busca o amado, a consciência infinita".
Dipa explica que o uso de ervas alucinógenas ou mesmo de substâncias como o LSD também despertam a kundalini, pois promovem uma expansão da consciência. "Mas, depois que o efeito passa, acaba". Ele alerta, entretanto, que sem um guia adequado, pode ser um encontro perigoso. "Despertar a kundalini com o corpo despreparado é como passar uma corrente de luz em um fio defeituoso. Ele queima".
Na Ananda Marga o despertar da kundalini é feito através do mantra dado por um guru, ou mestre, "alguém que já logrou a meta espiritual, a união com o cosmos", diz o monge.
O mantra cria uma certa energia que atua como uma ligação entre a vibração individual de quem medita e a vibração da Suprema Consciência. Como as pessoas não são iguais, o mantra que o mestre escolhe tem que se encaixar com a vibração particular da pessoa, ligando-a a esse ritmo universal. "Quando a pessoa recebe iniciação no caminho, ela recebe um mantra pessoal, apropriado para ela, que desperta a kundalini", diz Dipa.
"Com o uso constante do mantra, a kundalini vai subindo", diz. Mas para essa energia subir, tem que passar pelos chakras, os círculos energéticos existentes em nosso corpo que são desbloqueados e purificados através das várias práticas de yoga. "Por isso é necessário uma prática completa para se chegar à meta final", explica o monge.
Anandamurti: O Mestre
O mestre espiritual e fundador do Ananda Marga, Anandamurti ou Prabhat Ranjan Sarkar, nasceu em Bihar, na Índia, em 1921. "Ele era o amor personificado", conta Dada Dipa, que teve oportunidade de conhecê-lo pessoalmente. "Ele podia expressar alegria, riso, raiva, tristeza, mas ficava sempre além de tudo isso ao mesmo tempo. Todas as suas expressões estavam guiadas por benevolência e amor", recorda o monge.
Além de fundar a Ananda Marga e expandi-lo em todo mundo, Anandamurti ajustou o Tantra Yoga aos tempos atuais, propôs a filosofia do Neo-Humanismo, elaborou uma teoria para coletivizar o bem-estar econômico e social da sociedade e escreveu obras na área da filologia, lingüística, ciência, música e literatura.
Na medida em que suas atividades no campo social, educacional e espiritual se desenvolviam na Índia, tanto religiosos como políticos tradicionais, como o Partido Comunista Indiano, passaram a se incomodar com Sarkar. Uns porque enxergaram nele uma ameaça à ordem social injusta baseada nas castas, outros porque temiam perder sua popularidade junto às massas populares. Como resultado, a Ananda Marga começou a ser perseguida e Sarkar foi preso, em 1971, sob a falsa acusação de assassinato. Durante os sete anos em que passou na prisão, Anandamurti sobreviveu a uma tentativa de envenenamento por parte de carcereiros e jejuou em protesto por cinco anos e meio, consumindo somente dois copos de água com iogurte por dia.
"Ele ficou fisicamente fraco, mas ficou muito forte moral e espiritualmente. Quando finalmente foi libertado da prisão, todas as acusações contra ele foram retiradas", conta Dipa. Até sua morte, em 1990, Anandamurti continuou guiando a rápida expansão e estruturação da Ananda Marga.
Hoje são mais de 1500 acharyas, mestres de meditação e yoga, monges ou não, dedicados à propagação de sua filosofia e práticas sociais e espirituais para melhorar as condições de vida da população de vários países do mundo
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Atualmente, os missionários da Ananda Marga são guiados espiritualmente pelo acharya Shraddhananda, enquanto um comitê central guia as políticas e atividades da organização, cuja sede principal fica em Calcutá, na Índia.
Fonte:
http://www.terra.com.br/planetanaweb/flash/reconectando/agrandeteia/yogins.htm