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Yoga em Academias - Por Pedro Kupfer
Yoga em Academias: impressões de um outsider
Pedro Kupfer
Se estivermos vendo uma polémica estúdios versus academias se formando, é preciso ponderar as razões por trás disso. Sem querer tomar partido nem jogar lenha na fogueira, deixo aqui a minha contribuição para uma reflexão que seja construtiva para todos.
Venho de uma época e de um lugar em que academias de ginástica eram algo raro. Em Montevidéu, onde nasci e cresci, não existia o conceito de academia de ginástica. Havia clubes esportivos, onde as pessoas seguiam aquela receita básica: futebol, basquete, ginástica calisténica e natação.
Comecei a praticar Yoga aos 16 anos, depois de haver passado alguns anos da minha infância tentando aprender esportes de bola, nos quais sempre fui uma nulidade. O ambiente do Satyananda Niketan, onde conheci a prática, era muito diferente do encontrados nos clubes que havia freqüentado anteriormente. Lá, me senti em casa.
Quando descobri que de fato havia nascido para praticar Yoga, nunca mais me interessei por voltar para um clube de esportes. Creio que posso contar nos dedos das mãos o número de vezes na vida que entrei em academias, e nunca foi como cliente.
Afora as práticas de Yoga, que me acompanham diariamente há mais de 25 anos, as outras atividades, como surf, escalada, corridas ou pedaladas, aconteciam e continuam acontecendo exclusivamente ao ar livre.
Assim, essas atividades, "físicas", se podemos dizer que escalada ou surf sejam algo físico apenas, eram complementadas pela prática mais internalizada do Yoga: ásana, pranayama, mantra e meditação. Como sempre morei em praias, no mato e em lugares afastados, nunca tive a necessidade que alguém de um centro urbano teria de ir para algum lugar para me exercitar, uma vez que o exercício já acontecia nos movimentos do cotidiano.
Cortar lenha, por exemplo, é um ótimo antídoto contra o estresse. Mas, para isso, você precisa ter uma lareira para queimar a lenha, um lugar onde colhé-la e um machado para cortá-la. Não são coisas fáceis de se achar em cidades.
Quando vi que as práticas de Yoga estavam começando a migrar para as academias, pensei: "é bom para quem freqüenta esses lugares, pois é melhor praticar Yoga, mesmo que seja num ambiente diferente do convencional, do que passar longe desta forma de vida".
Assim sendo, concordo totalmente com as palavras da professora paulistana Kathy Lobos: é muito mais difícil ensinar Yoga fora de uma escola de Yoga. Dei aula durante cinco anos no presídio masculino de Florianópolis e sei que de fato, ensinar Yoga em ambiente de Yoga é infinitamente mais fácil que nos outros lugares. Quem pratica fora dos estúdios de Yoga, às vezes, pode estar muito mais motivado do que quem os freqüenta. A dificuldade funciona para essas pessoas como um estímulo extra.
Tenho muitos bons amigos que trabalham em academias no Rio e em São Paulo e sei positivamente que eles são excelentes professores, praticantes dedicados que transmitem o Yoga da maneira mais fidedigna. Ninguém com dois dedos de testa poderia considerar que professores do nível de Rui Afonso, Ana Malagueta, Bruno Jones, Dany Sá ou Edi Lisboa (só para citar uns poucos), estejam banalizando o Yoga pelo fato de ensinarem em academias.
Obviamente, em todos os ambientes podemos encontrar pessoas motivadas para alcançar a meta do Yoga e outras que não querem ir além de benefícios como bem-estar, saúde, e gerenciamento do estresse. Mas, o foco de cada praticante nem sempre coincide com a visão do professor. Pessoas simplesmente praticam porque ouviram dizer que é bom, e cada um o faz com uma motivação diferente.
Creio, por outro lado, que o preconceito, se existe, possa estar baseado numa certa rivalidade entre alguns professores de Yoga e outros de educação física que, sem haver compreendido bem o que seja o Yoga, tendem a achar que não precisam estudar Yoga para dar aulas, uma vez que as academias, tradicionamente, sempre foram território dos professores de educação física. Isso tampouco exclui a constatação de que existem excelentes professores de Yoga formados em educação física. Mas esses são assuntos para outra matéria.
Gosto de pensar no Yoga como uma imensa e frondosa árvore que generosamente dá seus frutos para quem quiser pegá-los. Cada praticante irá colher aqueles frutos que, desde sua motivação, consegue enxergar. Assim, se eu preciso uma solução para minha insônia, praticarei com esse intuito. Se preciso melhorar a minha auto-estima, meu foco estará nessa tarefa. Alguém me negaria o direito de ir para o Yoga com essas finalidades?
Se, depois de haver praticado por um bom tempo, depois de haver resolvido os probleminhas básicos que habitualmente nos levam para a prática (ansiedade, falta de concentração, etc.), ainda olhamos um pouquinho além e percebemos que o objetivo final do Yoga é a liberdade, vislumbraremos esse objetivo na forma dos frutos menos visíveis e óbvios dessa grande árvore. Esses frutos estão escondidos atrás das formas e aparências.
Para sermos fiéis à tradição do Yoga, como professores, nunca deveriamos deixar de praticar e ensinar com o intuito da liberdade. Essa é a responsabilidade de cada professor. Dentro ou fora das academias. Dentro ou fora dos estúdios de Yoga. Namaste!
Fonte: www.yoga.pro.br
Texto escrito originalmente para a revista Prana Yoga Journal, edição de julho de 2008. Visite o website da revista em www.eyoga.com.br.